A Luta Invisível: Povos Indígenas e VIH na América Latina

19 de Outubro 2024

Comunidades indígenas na América Latina denunciam exclusão na resposta global ao VIH/SIDA, ficando sem acesso a tratamentos vitais. Falta de dados e representação agrava a situação.

As comunidades indígenas na América Latina estão a denunciar a sua exclusão da resposta global ao VIH/SIDA, ficando sem acesso a medicamentos e ferramentas de prevenção essenciais para salvar vidas. Esta situação ocorre num momento em que a região enfrenta um aumento no número de novas infeções por VIH, de acordo com a ONUSIDA, em meio a uma diminuição do financiamento para combater a doença.

Os povos indígenas afetados pelo VIH afirmam sentir-se “invisíveis”, pois não existem dados sobre a prevalência do vírus nas suas comunidades e não conseguem aceder a medicamentos para tratamento ou prevenção do VIH. Esta invisibilidade é agravada pela falta de representação em organizações-chave, como a Sociedade Internacional de SIDA (IAS).

Fernando Chujutalli Córdova, um ativista do VIH do Peru, expressou numa conferência sobre VIH em Lima que os dados epidemiológicos atuais não fazem justiça às comunidades indígenas, pois estas são consideradas parte da população geral, tornando invisíveis as suas realidades específicas. Ele enfatizou que sem as vozes dessas comunidades, elas permanecem silenciadas e presas numa profunda desigualdade.

As comunidades afetadas, que já enfrentam desafios como racismo, estigma e discriminação, estão a exigir intervenções direcionadas para garantir a sua sobrevivência. Há preocupações de que, sem incluir estas comunidades, a região não conseguirá atingir as metas globais 95-95-95 para combater o VIH/SIDA até 2025.

Williams Morales, um ativista do Chile que vive com VIH, sugere que a incorporação de conhecimentos e medicinas tradicionais ancestrais na prevenção e tratamento do VIH poderia melhorar a adesão ao tratamento. Ele também aponta para o que considera ser uma “hipocrisia” na abordagem atual à prevenção do VIH, destacando a exclusão de parteiras tradicionais, que atendem cerca de 40% dos partos e são altamente respeitadas, simplesmente porque não sabem ler ou escrever.

Segundo um relatório da ONUSIDA, embora o número de mortes relacionadas com a SIDA tenha diminuído globalmente em 28% desde 2010, houve um aumento entre as mulheres em vários países da América Latina. Alguns países, como o Brasil e a Guatemala, têm registado uma alta prevalência de VIH entre populações afrodescendentes e indígenas. No Brasil, a prevalência de VIH entre mulheres afrodescendentes é duas vezes maior do que na população feminina em geral.

A quinta conferência de Pesquisa sobre VIH para Prevenção da IAS foi realizada pela primeira vez em Lima, criando uma oportunidade para destacar os desafios de prevenção do VIH na região da América Latina. Beatriz Grinsztejn, presidente da IAS, expressou esperança de que isso ajudaria a chamar a atenção para a necessidade urgente de expandir a prevenção do VIH em toda a América Latina, uma das únicas regiões do mundo onde o VIH está a aumentar.

A região latino-americana enfrenta também uma escassez de recursos para abordar a sua epidemia de VIH. Considerada demasiado rica para receber financiamento de doadores, mas não suficientemente rica para financiar totalmente a resposta ao VIH, a região luta para atingir as metas estabelecidas.

No Brasil, cerca de 100.000 pessoas atualmente usam PrEP oral, e o país está em negociações para adquirir CAB-LA – uma forma injetável de PrEP. No entanto, o preço inicialmente proposto nas negociações para a PrEP injetável era 14 vezes maior do que o preço da PrEP oral, tornando difícil manter a sustentabilidade sem ajuda externa.

Esta situação sublinha a complexidade dos desafios enfrentados pela América Latina na resposta ao VIH, especialmente no que diz respeito às comunidades indígenas e outras populações marginalizadas. A falta de dados específicos, representação adequada e recursos financeiros continua a ser um obstáculo significativo para uma resposta eficaz e inclusiva ao VIH na região.

NR/HN/Alphagalileo

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