A oftalmologia é uma especialidade médica crucial no panorama da saúde pública. É uma das áreas mais solicitadas em termos de consultas e cirurgias, desempenhando um papel fundamental na qualidade de vida das pessoas. No entanto, enfrenta desafios significativos no que diz respeito ao acesso e à equidade dos cuidados prestados aos doentes. Um dado alarmante revela que 45% das consultas de oftalmologia são realizadas fora dos tempos máximos de resposta garantidos, o mesmo acontecendo com 20% das cirurgias. Esta realidade traduz-se numa situação preocupante: uma parte significativa dos doentes não recebe os cuidados de saúde necessários em tempo útil.
As consequências desta lacuna no sistema de saúde são graves. Muitos pacientes, frustrados com a espera e o sofrimento prolongado, chegam a expressar preferência pela morte durante as consultas. Esta dimensão emocional dos doentes que sofrem e desesperam não pode ser ignorada e exige uma resposta urgente e eficaz do sistema de saúde.
Perante este cenário, o Dr. Sérgio Azevedo e a sua equipa conceberam uma visão para um Serviço Nacional de Saúde (SNS) ideal. Este SNS renovado seria centrado no cidadão, universal, equitativo e de qualidade. Promoveria a proximidade dos cuidados, reconhecendo os cuidados de saúde primários como pilar fundamental do sistema. Além disso, fomentaria a integração entre os diferentes níveis de cuidados, apostaria na medicina preventiva e no envolvimento das unidades de saúde familiar.
Para concretizar esta visão, seria necessário implementar novas condições de trabalho, mais eficientes, recorrendo às novas tecnologias. A sustentabilidade, tanto do ponto de vista económico como ambiental, seria também uma prioridade. É neste contexto que nasce o projeto “Luzia”.
Em 2018, foi publicada em Diário da República a Estratégia Nacional para a Saúde da Visão, que contemplava a criação de uma rede de cuidados primários de saúde visual e a organização de rastreios sistemáticos de patologias oftalmológicas. O projeto “Luzia” surge como uma resposta concreta a esta estratégia, materializando-se no Centro de Saúde de Valença, atualmente o único em Portugal a disponibilizar consultas de oftalmologia.
O distrito onde o projeto foi implementado apresenta características que o tornam um caso de estudo ideal. Trata-se de uma região envelhecida, economicamente desfavorecida e com grande dispersão geográfica. Para muitos habitantes, uma viagem ao hospital pode representar 4 horas de deslocação, 300 km percorridos e mais de 100 euros em custos de transporte. Esta realidade faz com que muitos doentes simplesmente não compareçam às consultas ou adiem os cuidados necessários.
Para enfrentar este desafio, a equipa do Dr. Azevedo dividiu o distrito em três áreas, cada uma correspondendo aproximadamente a um terço da população. A primeira plataforma do projeto “Luzia” foi implementada no Centro de Saúde de Valença, a mais de 50 km do hospital de referência, servindo toda a zona norte do distrito. No momento da apresentação, o orador anunciou com satisfação que uma segunda plataforma estava já em fase de implementação em Ponte da Barca, destinada a servir a zona mais interior do distrito.
O projeto “Luzia” representa uma mudança de paradigma na prestação de cuidados oftalmológicos. Em vez de os doentes se deslocarem ao serviço hospitalar, são os profissionais de saúde que se deslocam aos centros de saúde. De manhã, realizam-se consultas de oftalmologia e, à tarde, os técnicos efetuam rastreios de retinopatia diabética e degenerescência macular relacionada com a idade. Além disso, está previsto o início da monitorização remota de algumas patologias, permitindo que os doentes façam o seguimento no seu centro de saúde local, evitando deslocações desnecessárias ao hospital.
O investimento associado à implementação deste projeto foi cuidadosamente planeado. As poupanças nas deslocações dos profissionais e dos doentes permitem estimar que, ao fim de cinco anos, o investimento estará completamente amortizado. Este aspeto é crucial para demonstrar a viabilidade económica do projeto e a sua potencial replicação noutras regiões do país.
Um dos elementos-chave do sucesso do “Luzia” foi a redefinição do processo de referenciação. Este passou a ter em consideração não apenas a causa da referenciação, mas também a zona de residência do doente. Foram definidos circuitos claros para os doentes nos centros de saúde, e todos os casos foram classificados em duas categorias: eficientes (aqueles que não necessitam de ir ao hospital) e entrópicos (os que precisam de completar o seu estudo no hospital).
Os resultados do primeiro ano de atividade do projeto são impressionantes. Relativamente aos pedidos de primeira consulta para oftalmologia, 91% dos doentes foram observados no centro de saúde. Mais significativo ainda é a taxa de resolutividade no centro de saúde: 96% dos doentes observados não precisaram de ir ao hospital. Isto representa uma melhoria substancial no acesso aos cuidados e na eficiência do sistema.
O projeto também teve um impacto positivo na identificação precoce de problemas oftalmológicos. Dos doentes rastreados, 6,5% foram orientados para consulta especializada. Isto significa que foram identificados casos que, de outra forma, não teriam acesso a cuidados diferenciados ou chegariam ao hospital numa fase mais avançada da doença, quando o tratamento é mais caro, mais complexo e menos eficaz.
O impacto ambiental do projeto “Luzia” é também notável. Foram evitados mais de 115.000 km em deslocações, o que corresponde a uma redução de 37 toneladas de CO2 emitidas para a atmosfera. Este aspeto sublinha a importância do projeto não apenas do ponto de vista da saúde pública, mas também da sustentabilidade ambiental.
Para ilustrar o impacto concreto na vida dos doentes, o Dr. Azevedo apresentou o exemplo de um paciente com catarata, que representa o maior grupo de doentes atendidos. Antes da implementação do projeto, um doente com catarata precisava de se deslocar ao hospital quatro vezes: para a primeira consulta, consulta pré-operatória, cirurgia e consulta pós-operatória. Com o “Luzia”, o número de deslocações foi reduzido para apenas uma. Isto representa uma redução de 75% nas deslocações hospitalares e nos custos associados para o maior grupo de doentes.
A satisfação dos utentes é outro indicador do sucesso do projeto. Num inquérito realizado, todos os doentes se mostraram muito satisfeitos com o novo modelo de atendimento. Esta aprovação unânime reforça a pertinência e o impacto positivo da iniciativa na qualidade de vida dos pacientes.
O Dr. Sérgio Azevedo apresentou também a timeline do projeto, demonstrando que os objetivos traçados estão a ser cumpridos dentro do prazo previsto. No entanto, reconheceu que ainda existem muitos desafios pela frente, os quais a equipa encara com grande entusiasmo.
O orador concluiu a sua apresentação reafirmando a viabilidade e a importância do projeto “Luzia”. Demonstrou que é possível realizar consultas oftalmológicas nos centros de saúde, motivar os colegas para desenvolverem parte da sua atividade fora do ambiente hospitalar e colocar técnicos a realizar determinadas atividades que são posteriormente avaliadas remotamente pelos oftalmologistas. Tudo isto pode ser feito com eficiência e qualidade.
Ao levar os cuidados oftalmológicos aos centros de saúde, o projeto “Luzia” abre as portas a populações mais isoladas e carenciadas, permitindo-lhes acesso a cuidados diferenciados em proximidade. Esta abordagem toca em todas as valências essenciais de um sistema de saúde moderno e eficaz: coloca o doente no centro do sistema, leva cuidados de saúde a quem de outra forma não teria acesso, diminui desigualdades sociais, melhora os resultados em saúde, promove a medicina preventiva, fomenta a integração de cuidados e contribui para a sustentabilidade ambiental.
O Dr. Azevedo sublinhou que a inovação, como exemplificada pelo projeto “Luzia”, implica repensar a forma como os cuidados de saúde são prestados. Envolve quebrar paradigmas e hábitos enraizados, o que inevitavelmente acarreta riscos. Existe o risco de não ter respostas para todas as questões que surgem e de, por vezes, ser necessário recuar ao perceber que determinada abordagem não é a mais adequada. No entanto, é precisamente esta disposição para arriscar e inovar que oferece a oportunidade de fazer mais, fazer melhor e, em última análise, fazer a diferença na vida das pessoas.
O projeto “Luzia” representa, assim, um exemplo concreto de como a inovação nos cuidados de saúde pode transformar vidas. Ao levar a oftalmologia para mais perto das pessoas, não só melhora o acesso aos cuidados, como também promove a equidade, reduz custos e contribui para um sistema de saúde mais sustentável e centrado no paciente.
A apresentação do Dr. Sérgio Azevedo na 17ª Edição dos Prémios de Boas Práticas em Saúde serve como um poderoso testemunho do potencial de transformação que existe quando profissionais de saúde dedicados se propõem a repensar e redesenhar os modelos de prestação de cuidados. O projeto “Luzia” não é apenas uma solução para os desafios específicos da região do Alto Minho; é um modelo que pode inspirar mudanças semelhantes em todo o país e além-fronteiras.
À medida que o sistema de saúde português continua a enfrentar desafios de acesso, equidade e sustentabilidade, iniciativas como o “Luzia” apontam o caminho para um futuro onde a tecnologia, a inovação e o compromisso com o bem-estar do paciente se combinam para criar soluções verdadeiramente transformadoras. O sucesso deste projeto demonstra que, com visão, determinação e uma abordagem centrada no paciente, é possível superar barreiras aparentemente intransponíveis e criar um sistema de saúde mais justo, eficiente e acessível para todos.
O Dr. Azevedo concluiu a sua apresentação com uma nota de esperança e um apelo à ação. Ele enfatizou que o projeto “Luzia” não é um ponto de chegada, mas sim um ponto de partida para uma transformação mais ampla do sistema de saúde. Convidou outros profissionais e instituições a se inspirarem nesta iniciativa, a adaptarem-na às suas realidades locais e a continuarem a inovar em prol de um serviço de saúde mais próximo, mais humano e mais eficaz.
A apresentação do projeto “Luzia” na 17ª Edição dos Prémios de Boas Práticas em Saúde não foi apenas uma exposição de resultados, mas um chamado à reflexão sobre o futuro dos cuidados de saúde em Portugal. Demonstrou que, com criatividade, compromisso e colaboração, é possível superar os desafios mais complexos e criar soluções que realmente fazem a diferença na vida das pessoas.
O impacto do projeto “Luzia” vai além dos números impressionantes e das estatísticas positivas. Representa uma mudança fundamental na forma como pensamos e fornecemos cuidados de saúde. Ao trazer a especialidade oftalmológica para os cuidados primários, o projeto não só melhora o acesso, mas também reforça a importância da prevenção e do diagnóstico precoce. Esta abordagem tem o potencial de reduzir significativamente a carga de doenças oculares na população, melhorando a qualidade de vida de inúmeras pessoas e reduzindo a pressão sobre os serviços hospitalares.
Além disso, o projeto “Luzia” serve como um exemplo poderoso de como a tecnologia pode ser utilizada para melhorar os cuidados de saúde sem perder o toque humano. A monitorização remota de certas patologias, combinada com consultas presenciais nos centros de saúde, cria um modelo de cuidados híbrido que aproveita o melhor dos dois mundos. Esta abordagem não só é mais conveniente para os pacientes, mas também permite uma utilização mais eficiente dos recursos médicos especializados.
O sucesso do projeto também destaca a importância da colaboração interdisciplinar na saúde. Ao envolver oftalmologistas, técnicos de saúde, médicos de família e outros profissionais dos cuidados primários, o “Luzia” cria uma rede de cuidados integrada que beneficia todos os envolvidos. Esta colaboração não só melhora a qualidade dos cuidados prestados, mas também promove a partilha de conhecimentos e o desenvolvimento profissional contínuo.
Um aspeto particularmente notável do projeto é o seu potencial de replicação. Embora tenha sido desenvolvido para responder às necessidades específicas da região do Alto Minho, os princípios e metodologias do “Luzia” podem ser adaptados a outras regiões e até mesmo a outras especialidades médicas. Isto abre caminho para uma transformação mais ampla do sistema de saúde, onde os cuidados especializados são integrados de forma mais eficaz nos cuidados primários.
O Dr. Sérgio Azevedo e sua equipa demonstraram que, com visão, persistência e uma abordagem centrada no paciente, é possível superar barreiras que muitos considerariam intransponíveis. O projeto “Luzia” não é apenas uma solução para os desafios atuais; é um modelo para o futuro dos cuidados de saúde em Portugal e além.
À medida que o sistema de saúde português continua a evoluir e a enfrentar novos desafios, iniciativas como o “Luzia” serão cada vez mais importantes. Elas não só oferecem soluções práticas para problemas imediatos, mas também inspiram uma nova forma de pensar sobre a prestação de cuidados de saúde. Um futuro onde a tecnologia, a inovação e o cuidado humanizado se combinam para criar um sistema de saúde verdadeiramente centrado no paciente está ao nosso alcance. O projeto “Luzia” mostra-nos o caminho para lá chegar.
HealthNews
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