João Completo analisa desafios e soluções para o financiamento sustentável e inovação na saúde

2 de Dezembro 2024

João Completo, Principal da IQVIA, abordou no 10º Congresso Internacional dos Hospitais os desafios do financiamento sustentável e inovação na saúde. Destacou o aumento da despesa, o envelhecimento populacional e a concentração de custos, propondo soluções baseadas em eficiência, gestão de recursos e prevenção.

João Completo, abordou no 10º Congresso Internacional dos Hospitais os desafios do financiamento sustentável e inovação na saúde. O Principal da IQVIA destacou o aumento da despesa, o envelhecimento populacional e a concentração de custos, propondo soluções baseadas em eficiência, gestão de recursos e prevenção.

 

João Completo, Principal da IQVIA, apresentou uma análise detalhada sobre os desafios e soluções para o financiamento sustentável e inovação na área da saúde durante o 10º Congresso Internacional dos Hospitais, uma iniciativa da Associação Portuguesa de Desenvolvimento Hospitalar (APDH). A sua intervenção focou-se na mesa dedicada ao tema “Financiamento, Inovação e Tecnologia”, onde explorou a questão fundamental de como combinar o financiamento sustentável com a inovação no setor da saúde.

Completo iniciou a sua apresentação reconhecendo a singularidade da sua participação, já que era a primeira vez, em quase 20 anos, que se encontrava num painel com colegas engenheiros numa apresentação ligada à área da saúde. Apesar de se considerar um “engenheiro falsificado”, o orador destacou a sua longa experiência no setor da saúde.

O gestor identificou três principais desafios que o setor da saúde enfrenta atualmente e que tendem a agravar-se no futuro. O primeiro desafio está relacionado com o aumento da despesa em saúde, um fenómeno que tem vindo a crescer ao longo do tempo, com flutuações e picos durante o período da pandemia de COVID-19. Este aumento, disse, “é em grande parte motivado pelo envelhecimento da população, que representa um indicador positivo da evolução da sociedade, mas que simultaneamente levanta questões complexas sobre a sustentabilidade do sistema de saúde”.

O segundo desafio, prosseguiu, “prende-se com a evolução das prioridades de saúde no futuro. À medida que a população envelhece, surge a questão de como manter a sustentabilidade do sistema face à acumulação de doenças e problemas de saúde ao longo da vida”. Este desafio está intrinsecamente ligado ao terceiro, que diz respeito às doenças crónicas. Completo citou estudos que estimam que mais de 80% (alguns apontando para quase 90%) de todos os óbitos estão direta ou indiretamente relacionados com situações de doenças crónicas.

O orador enfatizou a importância do conceito de risco na sua apresentação, relacionando-o com o financiamento e as formas de financiar o sistema de saúde. Os fatores de risco conhecidos, como o tabagismo, o consumo excessivo de álcool, a falta de atividade física, entre outros, desempenham um papel crucial na saúde da população. Neste contexto, Completo destacou o papel da tecnologia e da inovação como potenciais aliados na mitigação destes riscos, especialmente no que diz respeito à promoção da atividade física.

Um aspeto particularmente relevante abordado na apresentação foi a questão da concentração dos custos de saúde. Completo referiu estudos realizados em colaboração com a ACSS (Administração Central do Sistema de Saúde) que demonstram uma distribuição desequilibrada dos custos de saúde tanto ao longo do tempo como do território. Especificamente, cerca de 5% da população concentra 50% dos custos de saúde, enquanto 20% da população é responsável por 80% dos gastos em saúde. Este padrão, observado inicialmente em dados padronizados de Espanha, revelou-se semelhante em Portugal e em outros países europeus que realizaram análises similares.

Face a esta realidade, o consultor apresentou os novos modelos de financiamento, com particular ênfase nos modelos de capitação ou per capita ajustados ao risco. Estes modelos têm como premissa a alocação mais eficiente de recursos em função do risco da população. A importância da palavra “risco” foi novamente sublinhada, destacando a necessidade de os modelos de financiamento considerarem não apenas as necessidades de financiamento em si, mas também as necessidades específicas da população.

Completo argumentou que é fundamental adotar uma perspetiva preventiva no financiamento da saúde. Explicou que a prevenção é crucial para diminuir o risco a longo prazo, em contraste com o financiamento direcionado apenas para o tratamento de patologias já adquiridas, que se limita ao controlo ou manutenção de doenças existentes. Neste sentido, o orador destacou a importância de estratificar a população para compreender os diferentes níveis de risco, permitindo intervenções mais específicas e eficazes, especialmente para os 5% da população que concentram a maior parte dos custos.

O objetivo final, segundo Completo, é poder comparar constantemente o cenário anterior às intervenções com o cenário posterior, mantendo um sistema de monitorização contínua. Esta abordagem é necessária devido à constante evolução dos desafios, ao surgimento de novas patologias e doenças, e ao aumento da idade média da população, o que exige que as intervenções sigam estratégias adaptativas.

O Principal da IQVIA utilizou o exemplo da pandemia de COVID-19 para ilustrar como a inovação pode ser rapidamente implementada em resposta a desafios urgentes. Durante o período pandémico, houve uma significativa inovação em várias áreas, incluindo o desenvolvimento de novos medicamentos. No entanto, Completo observou que algumas dessas inovações, embora ainda presentes, não são utilizadas de forma otimizada atualmente, possivelmente devido a deficiências nos protocolos de utilização.

Abordando diretamente a questão de como combinar o financiamento sustentável com a inovação, Completo propôs três pontos principais. O primeiro ponto focou-se na questão da eficiência. O orador defendeu que se a inovação não contribuir para melhorar a eficiência e a sustentabilidade do sistema de saúde, enfrentaremos um problema significativo. Isto porque a inovação, afirmou “é frequentemente dispendiosa, não apenas em termos do seu desenvolvimento, mas também na sua implementação e funcionamento contínuo”. Portanto, é crucial garantir que as inovações introduzidas gerem recursos adicionais que possam ser aplicados para melhorar a sustentabilidade global do sistema.

Para ilustrar este ponto, Completo apresentou um exemplo concreto relacionado com a introdução de um novo fármaco, o sugammadex (nome comercial Bridion). Este medicamento, utilizado para reverter o bloqueio neuromuscular profundo em certas cirurgias, foi objeto de um estudo publicado há cerca de 10 anos. O orador explicou que este fármaco permite uma reversão mais rápida do bloqueio neuromuscular, o que é particularmente útil em cirurgias sensíveis onde é necessário um bloqueio profundo, mas onde uma recuperação rápida pós-cirurgia é desejável.

Completo destacou que a introdução deste medicamento levantou questões importantes sobre o que constitui verdadeiramente uma inovação no campo farmacêutico. Ele observou que, muitas vezes, novos medicamentos são lançados, mas quando se fala com os clínicos, muitos argumentam que estes novos fármacos não trazem um valor acrescentado significativo que justifique o seu custo elevado. No caso do sugammadex, o desafio era provar que o medicamento oferecia benefícios reais em termos de segurança para o doente, satisfação do profissional de saúde e do próprio doente, e redução de custos globais.

O consultor explicou que o uso deste medicamento permitia uma recuperação mais rápida e segura dos doentes, possibilitando que fossem tratados em regime de ambulatório em vez de ficarem internados. Isto não só aumentava a satisfação do doente, que podia regressar a casa mais rapidamente, mas também reduzia os custos de internamento e libertava camas hospitalares. Além disso, Completo destacou um aspeto interessante relacionado com o financiamento: na altura da introdução deste medicamento, as regras de financiamento em vigor permitiam que as instituições que o utilizassem aumentassem o seu financiamento global.

Isto acontecia porque os doentes que anteriormente teriam de ficar internados uma noite (classificados como de baixa complexidade em termos de internamento) podiam agora ser tratados em regime de ambulatório. No entanto, em termos de complexidade ambulatória, estes doentes eram considerados mais complexos do que a média. Assim, ao transferir estes doentes do internamento para o ambulatório, os hospitais conseguiam aumentar a complexidade média dos seus casos ambulatórios e, consequentemente, o seu financiamento global.

O segundo ponto abordado por Completo foi a melhoria da gestão dos recursos. Neste contexto, ele introduziu o conceito de algoritmos de estratificação e monitorização do estado de saúde da população. O orador mencionou que a sua empresa ganhou o concurso para o projeto de estratificação para o Ministério da Saúde, conhecido como ACGSA (Adjusted Clinical Groups System for Adults) ou GRAS (Grupos de Risco Ajustado) na tradução portuguesa.

Estes algoritmos permitem analisar a população não apenas em termos de multipatologia ou carga de doença, mas também associar riscos específicos a cada grupo populacional. Com base nesta análise, é possível calcular um índice ajustado de complexidade para as Unidades Locais de Saúde (ULS). Completo sublinhou que este tipo de análise só é possível com o acesso a informação massiva, incluindo dados de internamentos, consultas hospitalares, prescrições de medicamentos e consultas de cuidados primários. Esta abordagem requer algoritmos sofisticados capazes de processar grandes volumes de dados para atribuir níveis de risco aos doentes.

O terceiro e último ponto focou-se na melhoria da prevenção e monitorização, com ênfase nas estratégias preventivas e na capacidade de educar os doentes. Completo defendeu que a prevenção e a educação estão intrinsecamente ligadas, uma vez que as pessoas tendem a prevenir melhor a sua saúde quando têm um maior nível de educação e literacia em saúde.

Para ilustrar este ponto, o orador partilhou um exemplo pessoal relacionado com o acompanhamento de familiares com doenças crónicas, particularmente neoplasias. Ele descreveu o caso de um doente que, após vários ciclos de quimioterapia, necessita de consultas de acompanhamento regulares. Estas consultas frequentemente envolviam análises sanguíneas pela manhã, seguidas de uma consulta médica à tarde, o que pode resultar num dia inteiro passado no hospital. Completo argumentou que muito deste processo poderia ser simplificado através do uso de tecnologias de telemedicina e uma melhor gestão dos recursos.

Por exemplo, as análises poderiam ser realizadas fora do hospital, e as consultas poderiam ser feitas por videochamada, evitando deslocações desnecessárias, especialmente para doentes que vivem longe dos centros hospitalares. João Completo observou que, embora estas soluções já existam e sejam utilizadas em hospitais privados, ainda não são uma realidade generalizada nos hospitais públicos portugueses.

Concluindo a sua apresentação, Completo sintetizou a resposta à questão inicial sobre como combinar o financiamento sustentável com a inovação. Ele propôs três estratégias principais:

  • Aumentar a eficiência, melhorando os resultados: A inovação deve focar-se em obter melhores resultados de saúde com custos controlados ou até mesmo reduzidos.
  • Oferecer mecanismos para uma melhor gestão de recursos: Aqui, o orador referiu-se novamente aos ACGSA/GRAS como ferramentas para uma alocação mais eficiente de recursos baseada no risco.
  • Melhorar a prevenção, incluindo a educação e monitorização: Esta estratégia enfatiza a importância de abordar os problemas de saúde de forma proativa, educando a população e monitorizando constantemente os indicadores de saúde.

João Completo encerrou a sua intervenção reiterando que estas estratégias são fundamentais para enfrentar os desafios atuais e futuros do sistema de saúde, equilibrando a necessidade de inovação com a sustentabilidade financeira.

A apresentação de João Completo no 10º Congresso Internacional dos Hospitais ofereceu uma visão abrangente e multifacetada dos desafios e oportunidades no financiamento e inovação em saúde. Ao abordar questões como o envelhecimento populacional, o aumento dos custos de saúde, a concentração de despesas em grupos específicos da população e a necessidade de modelos de financiamento mais eficientes, Completo forneceu insights valiosos para profissionais de saúde, gestores hospitalares e decisores políticos.

A sua análise destacou a importância de uma abordagem holística que considere não apenas os aspetos financeiros, mas também a eficácia clínica, a satisfação do doente e a sustentabilidade a longo prazo do sistema de saúde. Ao propor soluções baseadas em dados, como os modelos de estratificação de risco e a alocação mais eficiente de recursos, Completo demonstrou como a tecnologia e a inovação podem ser aliadas na busca por um sistema de saúde mais eficiente e sustentável.

Além disso, a ênfase na prevenção e educação como componentes cruciais de um sistema de saúde sustentável sublinha a necessidade de uma mudança de paradigma na abordagem da saúde pública. Ao invés de focar apenas no tratamento de doenças já estabelecidas, Completo manifestou-se a favor de um sistema que priorize a prevenção e a gestão proativa da saúde da população.

 

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