Hoje em dia não há quem tenha dúvidas que o tabaco é um dos principais problemas de saúde pública em Portugal e na Europa. É estimado que seja responsável por 13 mil mortes anuais no nosso país e cerca de 700 mil no continente. É a principal causa de morte prematura na UE e um fator de risco para diversas doenças. O consumo de tabaco está associado a diversos tipos de cancro, doenças cardiovasculares, doenças respiratórias crónicas, entre outras.
Além do impacto na saúde, também o ambiente sofre com a produção, manufatura, distribuição e consumo deste produto. A indústria do tabaco emite anualmente 84 milhões de toneladas de dióxido de carbono, valor superior às emissões portuguesas! O pesadelo ambiental, de que não conseguimos acordar, torna-se mais grave ao saber que a produção de um só cigarro consome 4 litros de água e contribuí para a insegurança alimentar de várias regiões do planeta.
Perante todas estas evidências, seria de esperar que o consenso europeu para restringir a produção, comércio e consumo de tabaco fosse evidente e óbvio. Que fossem banidas as ajudas publicas à indústria e apoiados os programas da OMS, que auxiliam os agricultores do Sul Global, a trocar as plantações de tabaco por comida. Mas no final do mês novembro, assistimos, vergonhosamente, a precisamente o contrário no parlamento europeu.
Os grupos parlamentares democráticos tinha alcançado um consenso: recomendar a proibição em espaços sensíveis, como parques infantis, escolas, instituições de saúde, locais de trabalho, transportes públicos, cafés e bares. No fundo, como Portugal, e bem, já legislou. Também sinalizaria um importante e ambicioso objetivo: atingir uma geração europeia sem tabaco, classificada como menos de 5% da população adulta ser fumadora, no prazo de 15 anos.
Mas a indústria ripostou. Partindo dos dois grupos não democráticos da extrema-direita, conseguiu cooptar o EPP, e o consenso estabelecido foi quebrado. Os lucros e os interesses da indústria sobrepuseram-se à saúde dos europeus. Novamente. O resultado foi a ausência de um plano. O parlamento que representa todos os europeus foi incapaz de tomar uma posição sobre o maior problema de saúde pública. A Comissão ainda pode sonhar com uma geração europeia sem tabaco, mas apenas se a indústria o permitir.
Tendemos a ver este tipo de interferências como algo do passado. Quando a indústria alimentar fazia pressão contra o aleitamento materno, ou a indústria do tabaco garantia que fumar era seguro e moderno. Mas o que não faltam são exemplos recentes do poder que a indústria retém sobre as decisões políticas. Desde o nosso ministro da agricultura a recomendar o consumo de vinho ou a atacar a avaliação nutricional dos alimentos, a indústria alimentar que disponibiliza versões do mesmo produto com o triplo do açucar nos países com menor regulação, ou a indústria do tabaco que continua a interferir com processos legislativos.
Priorizar a saúde significa fazer escolhas. Portugal apoiou a indústria do tabaco com fundos públicos até 2019. Ainda hoje, os açorianos pagam a fatura de sucessivos governos demasiados permissivos com o tabaco. Eventuais beneficios económicos de curto prazo não compensam, nem de perto, os enormes danos na saúde. E o dinheiro investido poderia ter sido canalizado para outras indústrias ou atividades mais amigas da saúde.
Alcançar uma geração sem tabaco à escala europeia é agora um desafio mais distante. Mas e em Portugal? Não temos de esperar por Bruxelas. Se a promoção da saúde sair do ministério da agricultura e voltar para o ministério da saúde, se todos os atores forem incluídos, se este objetivo for realmente priorizado por todos, é perfeitamente possível conseguir alcançar esta marca histórica. Temos quinze anos para fazer história, mas o tempo passa rápido. É urgente começar a trabalhar hoje.
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