“O Makey Makey é a ‘pedra basilar’ do grupo” – Paulo Jacob revela o segredo tecnológico dos Ligados às Máquinas

01/10/2025
Em entrevista exclusiva ao Healthnews, o musicoterapeuta Paulo Jacob revela os bastidores do processo criativo dos Ligados às Máquinas, uma orquestra de samples composta por músicos em cadeiras de rodas que utiliza tecnologia adaptada para permitir que músicos com alterações neuromotoras criem e executem música de forma autónoma

Healthnews (HN) – Como surgiu a ideia de criar uma orquestra de samples composta por músicos em cadeiras de rodas e que desafios enfrentaram nos primeiros anos?

Paulo Jacob (PJ) – O projeto nasceu da preocupação/necessidade em criar respostas musicais eficazes para pessoas com alterações neuromotoras graves. Em 2007 comecei a perceber que a tecnologia poderia ser um aliado funcional para permitir a participação destas pessoas.  Trabalhei com o Serviço Educativo da Casa da Música durante alguns anos e, ao longo desse período, lidei com gente genial que integrava a tecnologia na composição ou performance musical. O que vi, levou-me a refletir sobre o papel que a tecnologia pode ter, como recurso facilitador, na intervenção com pessoas com alterações neuromotoras graves, com especial atenção e enfoque nos casos de patologias neurodegenerativas. Criei, então, na A.P.C.C. uma atividade especializada que contemplava a concretização de projetos musicais personalizados, dirigido a um grupo de 25 utentes e facilitada através dos recursos tecnológicos (software e hardware). A resposta dos utentes ultrapassou as expectativas e criou-se, assim, a base para o desenvolvimento do “bichinho musical”.

Os principais desafios iniciais foram de diferentes âmbitos… em primeiro lugar, conseguir juntar tanta gente num espaço (e ao mesmo tempo); em segundo lugar: a operacionalização do sistema de controlos individualizados… cada indivíduo foi avaliado na sua componente funcional motora com o objetivo de se criar um controlador adaptado que permitisse, de forma confortável, ativar um circuito elétrico de baixa voltagem. Após a definição das adaptações individuais, outro dos grandes desafios foi o processo de amostragem musical, que nos “obrigou” a ter de ouvir todo o material musical (cerca de 150 músicas) que os elementos do grupo traziam para as sessões.

HN – De que forma a tecnologia, em particular o hardware Makey Makey, revolucionou a participação dos músicos com alterações neuromotoras no processo criativo

PJ – O Makey Makey é a “pedra basilar” do grupo, do modus operandi e do seu trabalho musical. Foi através deste hardware que o grupo se formou e é através dele que temos a oportunidade de executar, em tempo real, a música que fazemos. A mais-valia do hardware reside, essencialmente, na possibilidade de poder criar, através de circuitos elétricos fechados, controladores personalizados para cada músico. Essa foi a principal razão pela qual decidimos adotar este recurso, que influenciou, enormemente, o processo de participação individual e conjunta.

HN – Qual foi o impacto da colaboração com diversos artistas nacionais na evolução do som e da identidade musical dos Ligados às Máquinas?

PJ – Obviamente, esta colaboração massiva de diferentes artistas nacionais teve um enorme impacte no coletivo, pois acabou por ser mais uma forma de validação do seu trabalho. A generosidade e a confiança que estes colaboradores colocaram neste coletivo, ultrapassou as nossas expectativas. Quanto à evolução sonora, o facto de termos sido assoberbados de matéria sonora destes colaboradores, colocou-nos numa posição confortável e natural de criação musical a partir de matéria sonora e musical nova, o que abriu também a nossa perceção para ouvir músicas e formas de fazer música diferentes, estimulando-nos para novos processos de reflexão e de criação musical.

HN – Como é que o processo criativo coletivo se desenvolve, desde a seleção de samples até à composição final das músicas?

PJ – O processo criativo nos Ligados às Máquinas é um processo partilhado e colaborativo. Toda a gente participa na tomada de decisões (desde a seleção de amostras até à definição das estruturas musicais). Na primeira fase de criação musical dos Ligados às Máquinas, desafiei os elementos do grupo a trazer a música que fosse mais significativa nas suas vidas e… assim o fizeram! Durante uns largos meses, retirámos amostras das músicas trazidas e, ao longo do processo, os músicos começaram a estabelecer uma relação com estes pequenos fragmentos e a relacioná-los uns com os outros… nasceu, daí, a possibilidade de fazer música através do confronto de fragmentos musicais.

HN – Quais são os principais desafios logísticos que enfrentam na preparação e realização de espetáculos ao vivo?

PJ – Os espetáculos a as apresentações ao vivo são sempre uma tarefa hercúlea… há que ter em conta todos os aspetos sine qua non de logística e acessibilidade (olá design universal!). Falamos de um grupo de pessoas (todas elas utilizadoras de cadeira de rodas) que têm de ser acompanhadas por uma equipa de suporte, desde o musicoterapeuta, passando por um técnico de diagnóstico e os auxiliares de Acão direta… ao todo, mais de vinte pessoas. Não obstante estas questões, juntam-se “à festa” duas máquinas de oxigénio que nos obrigam a repensar e a planificar cada saída do grupo.

HN – De que forma o álbum “Amor Dimensional” reflete a evolução artística do grupo ao longo dos seus 10 anos de existência?

PJ – Este disco reflete, essencialmente, a paixão que este coletivo tem em fazer música. Acaba por ser um processo natural que traduz um sentimento e um desejo de gravar um disco. No início, tornava-se difícil conseguir fazê-lo, por questões de copyright, mas o facto de termos sido “bafejados” pela generosidade musical e humana dos nossos colaboradores, trouxe um novo fôlego ao grupo, sem mexer muito no seu modus operandi musical. Não sei se se poderá falar em progressão artística, mas, certamente, poder-se-á falar em novas possibilidades.

Créditos das imagens: Vera Marmelo e Tiago Cerveira

entrevista HN

0 Comments

Submit a Comment

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

ÚLTIMAS

A saúde mental e as condições de trabalho dos enfermeiros

Os resultados do estudo “NursesMH#Survey2024”, apoiado pela Ordem dos Enfermeiros (OE), hoje divulgados, demonstram que os enfermeiros portugueses enfrentam níveis devastadores de desgaste físico e mental. 74,3% percecionam negativamente a sua saúde mental, 30% apresentam sintomas de depressão grave e 45% reportam sofrer de pelo menos uma doença física ou mental.

MAIS LIDAS

Share This
Verified by MonsterInsights