A doença renal crónica (DRC) é caracterizada pela perda progressiva da função renal, com danos estruturais e funcionais que persistem por pelo menos três meses. Os principais sintomas incluem uma taxa de filtração glomerular estimada (TFGe) inferior a 60 mL/min/1,73 m² e/ou proteinúria. A deterioração irreversível das unidades renais em estágios avançados da doença resulta em desequilíbrios hidroeletrolíticos, acumulação de resíduos metabólicos e comprometimento da função endócrina renal, frequentemente exigindo diálise prolongada. Esses fatores afetam adversamente o sistema nervoso central, podendo levar a comprometimento cognitivo.
A disfunção cognitiva pós-operatória (DCPO) refere-se ao declínio nas habilidades cognitivas em relação ao estado pré-operatório, manifestando-se como dificuldades de aprendizagem, memória, atenção e, em casos graves, alterações psiquiátricas e de personalidade. A DCPO é mais comum após cirurgias cardíacas devido ao trauma da circulação extracorpórea, esternotomia mediana e anestesia prolongada. Doentes com DRC apresentam maior risco de declínio cognitivo, com estudos indicando uma prevalência de 40% de comprometimento cognitivo nesta população.
Doentes com DRC exibem múltiplos fatores de risco para DCPO, incluindo lesões vasculares cerebrais, acumulação de toxinas urémicas, anemia, respostas inflamatórias e tratamento dialítico. Além disso, muitos doentes já apresentam disfunção cognitiva pré-operatória, o que contribui para o agravamento pós cirúrgico. A lesão cerebrovascular associada à DRC, frequentemente agravada por comorbidades como hipertensão, diabetes e hiperlipidemia, desempenha um papel central no comprometimento cognitivo. A hipertensão crónica, por exemplo, acelera o declínio cognitivo ao danificar pequenas artérias cerebrais, enquanto a diabetes e a hiperlipidemia promovem aterosclerose e comprometem a barreira hematoencefálica.
A acumulação de toxinas urémicas, como endotoxinas, ureia e indoxil sulfato, também contribui para a disfunção cognitiva ao danificar a barreira hematoencefálica e induzir alterações neurodegenerativas. Além disso, distúrbios metabólicos, como hiperparatiroidismo secundário e deficiência de vitamina D ativa, estão associados a alterações nos níveis de cálcio e fósforo, que podem interferir na sinalização neuronal e no desempenho cognitivo.
A cirurgia cardíaca e a anestesia geral exacerbam a resposta inflamatória e o estresse oxidativo em doentes com DRC. O trauma cirúrgico e a circulação extracorpórea levam à liberação de citocinas pró inflamatórias, como interleucina-6 (IL-6) e fator de necrose tumoral (TNF), que podem infiltrar-se no cérebro e desencadear neuroinflamação. O estresse oxidativo, por sua vez, danifica proteínas, lipídios da membrana celular e DNA, contribuindo para a apoptose neuronal e o comprometimento cognitivo.
O declínio da função renal e a acumulação de toxinas urémicas perturbam o equilíbrio de neurotransmissores como glutamato, GABA e acetilcolina, essenciais para a cognição. A anestesia e a cirurgia exacerbam esses desequilíbrios, levando a alterações nos níveis de neurotransmissores que contribuem para a DCPO. Por exemplo, a inibição dos receptores de acetilcolina durante a anestesia pode prejudicar a memória e a aprendizagem.
A prevenção da DCPO em doentes com DRC requer uma abordagem multifacetada, incluindo o controle rigoroso de fatores de risco cardiovasculares, como hipertensão, diabetes e hiperlipidemia, antes da cirurgia. A otimização do tratamento dialítico e a gestão de complicações como anemia e hiperparatiroidismo secundário também são fundamentais. Durante o período perioperatório, técnicas cirúrgicas minimamente invasivas, anestésicos neuroprotetores e o controle preciso da pressão arterial e do equilíbrio hídrico podem reduzir o risco de DCPO. Além disso, a estimulação cognitiva e a atividade física moderada antes da cirurgia podem ajudar a preservar a função cognitiva.
Doentes com DRC enfrentam um risco significativamente maior de disfunção cognitiva após cirurgia cardíaca, devido a uma combinação de fatores inflamatórios, metabólicos e vasculares. A compreensão dos mecanismos subjacentes e a implementação de estratégias preventivas são essenciais para melhorar os resultados pós-operatórios e a qualidade de vida desses doentes.
REferÊncia:
NR/HN/Alphagalileo
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