A saúde global no século XXI enfrenta desafios sem precedentes, mas também oferece oportunidades únicas para transformar a forma como os cuidados de saúde são prestados. Ewout Van Ginneken, Diretor do Observatório Europeu dos Sistemas e Políticas de Saúde, sublinhou hoje, no Cascais International Health Forum 2025, a urgência de uma mudança estrutural nos sistemas de saúde, que deve passar pela adoção de novos modelos de cuidados. Estes modelos devem não apenas reduzir custos e melhorar os resultados clínicos, mas também proporcionar uma experiência mais positiva para os doentes. Além disso, é crucial que estes novos modelos abordem desafios emergentes, como as alterações climáticas e as limitações da força de trabalho.
Van Ginneken defende que, embora alguns modelos de cuidados possam ser mais dispendiosos, eles podem ser realizados por menos profissionais, mantendo a qualidade do atendimento. Esta pode ser uma solução viável para aliviar a pressão sobre os sistemas de saúde. A inteligência artificial (IA) é outra área que pode desempenhar um papel significativo na redução da carga de trabalho dos profissionais de saúde, especialmente no que diz respeito ao processamento de dados e à tomada de decisões clínicas. No entanto, é essencial garantir que as políticas de privacidade e a infraestrutura digital sejam robustas para proteger os dados dos pacientes.
Um dos pontos centrais da comunicação de Van Ginneken é a necessidade de uma intervenção precoce na vida das pessoas, particularmente na infância. De acordo com o especialista, os sistemas de saúde têm-se focado demasiado na reação a problemas de saúde, em vez de investir na prevenção. Dar às crianças um bom começo de vida, com foco nos primeiros mil dias, pode ter um impacto significativo na sua saúde a longo prazo. Existem já muitos exemplos bem-sucedidos de intervenção precoce, mas é necessário ampliar a sua implementação.
Outro aspeto crucial é a necessidade de uma abordagem centrada no paciente, que considere a pessoa no seu contexto global, em vez de tratar doenças de forma isolada. Van Ginneken critica o modelo tradicional de cuidados de saúde, em que os pacientes são encaminhados para diferentes especialistas consoante as suas doenças. Em vez disso, defende uma visão holística, que tenha em conta o ambiente e as circunstâncias de vida do paciente. Esta mudança de paradigma exige uma transformação profunda nos sistemas de saúde, mas é essencial para melhorar a qualidade dos cuidados.
A equidade no acesso aos cuidados de saúde foi outro tema central na comunicação de Van Ginneken, que alertou para o facto de as inovações e melhorias nos sistemas de saúde tendem a beneficiar mais as pessoas com melhores condições socioeconómicas, exacerbando as desigualdades. É, portanto, fundamental que os sistemas de saúde adotem uma abordagem proativa para alcançar os grupos mais vulneráveis, como idosos, pessoas com problemas de saúde mental, migrantes, refugiados e requerentes de asilo. A falta de dados sobre a cobertura de seguros e a vulnerabilidade destes grupos é um obstáculo significativo, mas é essencial recolher e analisar estas informações para garantir que os novos modelos de cuidados cheguem a quem mais precisa.
Van Ginneken abordou ainda a questão da sustentabilidade ambiental nos sistemas de saúde. A “ecologização” dos cuidados de saúde é muitas vezes vista como um custo adicional. No entanto, defendeu, pode trazer benefícios múltiplos. A transição de um modelo centrado no hospital para um modelo que privilegia a prevenção e a promoção da saúde, reduzindo tratamentos de baixo valor e investindo em infraestruturas verdes, pode melhorar a qualidade e a experiência dos cuidados para os doentes.
A implementação destas mudanças exige liderança, regulamentação adequada e um ambiente que estimule a inovação. Van Ginneken destaca o papel crucial da inteligência artificial nesta transformação, mas alerta para os riscos associados, como a proteção da privacidade e a necessidade de uma infraestrutura digital robusta, defendendo ser é necessário focar em aplicações práticas da IA que já estão a funcionar, em vez de se limitar a discutir o seu potencial futuro.
A concluir a sua intervenção no Estoril, Van Ginneken sublinhou, a importância de três pilares fundamentais para o futuro dos sistemas de saúde: resiliência, equidade e inovação. A resiliência, defendeu, pode ser alcançada através da implementação de modelos de cuidados integrados que aliviem a pressão sobre os profissionais de saúde. A equidade exige um foco nos grupos mais vulneráveis e na recolha de dados que permitam direcionar os recursos de forma eficaz. Por fim, a inovação, particularmente no campo da inteligência artificial, deve ser aproveitada com cuidado, garantindo que beneficie os sistemas de saúde de forma prática e sustentável.
HN/MMM
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