Hoje, no 42 Encontro Nacional de Medicina Familiar em Tróia, David Marçal, comunicador de ciência e professor convidado na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, abordou os desafios na comunicação científica, destacando a necessidade de manter viva a chama e o deslumbramento pela ciência. A comunicação científica, explicou, é um tema complexo que tem sido objeto de investigação há décadas, envolvendo modelos como o Public Understanding of Science, o Public Engagement of Science e a ciência cidadã.
O modelo Public Understanding of Science, surgido nos anos 80 no Reino Unido, parte do princípio de que os problemas do público em relação à ciência resultam da falta de conhecimento científico. Este modelo é unidirecional, focando-se na transmissão de conhecimento científico ao público, mas tem sido criticado por simplificar a relação entre o público e a ciência. Estudos mostram que a relação entre o conhecimento científico e a atitude em relação à ciência não é linear; pessoas com maior conhecimento científico podem ter uma atitude mais crítica em relação à ciência, devido ao reconhecimento das suas limitações.
Já o Public Engagement of Science, que emergiu no início dos anos 2000, surge como resposta a crises de confiança na ciência, como a doença das vacas loucas. Este modelo promove um diálogo entre cientistas e público, valorizando não apenas o conhecimento científico, mas também outros saberes, como a ética. A comunicação da incerteza e do risco é crucial para manter a confiança pública, como exemplificado pelas mudanças nas recomendações sobre máscaras durante a pandemia de COVID-19.
A ciência cidadã envolve o público na investigação científica, permitindo que cidadãos participem ativamente em projetos de pesquisa. Projetos como o gripe.net ou a análise de dados de rádio telescópios são exemplos de ciência cidadã, onde os cidadãos desempenham um papel analítico. Este modelo promove uma maior interação entre a comunidade científica e o público, fomentando um entendimento mais profundo do processo científico.
A representação da ciência no espaço público também é um desafio. Na ficção, cientistas são frequentemente retratados como maus loucos ou perigosos, como em histórias como “Frankenstein” ou filmes como “Metropolis”. Essas imagens contribuem para a desconfiança pública em relação à ciência. Além disso, a ciência é muitas vezes apresentada apenas através dos seus resultados, omitindo-se o processo científico que leva a esses resultados. Isso cria uma percepção mágica da ciência, onde os avanços parecem surgir sem explicação clara.
O jornalismo científico enfrenta desafios significativos, especialmente no jornalismo de saúde, que frequentemente se baseia em uma única fonte e não segue boas práticas jornalísticas. Notícias sobre ciência muitas vezes são sensacionalistas ou baseadas em curiosidades, o que pode confundir o público sobre o que é verdadeiro ou falso na ciência. A aspirina e a cafeína são exemplos de substâncias cujos benefícios e riscos são frequentemente mal compreendidos devido à cobertura jornalística irregular.
Para superar esses desafios, é crucial dialogar com especialistas científicos e reconhecer outros saberes válidos. A ciência não deve ser vista como a única fonte de conhecimento; valores éticos e conhecimento popular também têm um papel importante. Explicar o processo científico, e não apenas os resultados, ajuda a construir confiança e a evitar a pseudociência. Assumir a incerteza e o risco é fundamental para manter a confiança pública, especialmente em áreas como a saúde, onde as pessoas precisam entender as probabilidades e os riscos envolvidos.
RT/HN/MM
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