Prof. Dr. Jacinto Azevedo, Psiquiatra e Coordenador do Hospital de Neurociências Trofa Saúde

Doença bipolar: Um caminho de Autoconhecimento e Transformação

04/09/2025

A doença bipolar é uma alteração da saúde mental que causa uma montanha-russa de emoções. Imagine sentir euforia e energia ilimitada e, em seguida, descer para profundezas de tristeza e desespero. É como se o seu humor fosse um pêndulo, oscilando entre extremos que podem afetar significativamente os seus relacionamentos, trabalho e bem-estar geral.

No entanto há esperança! A doença bipolar é uma jornada desafiadora, mas, com conhecimento, apoio e tratamento adequado, pode navegar pelas suas emoções e viver uma vida plena e gratificante. Neste artigo pretendemos dar a conhecer o caminho a percorrer quando se é diagnosticado com doença bipolar, revelando as causas, sintomas, tipos e tratamentos da doença, além das mais recentes descobertas científicas que trazem esperança e empoderamento.

 As Causas da doença bipolar

A doença bipolar é como um quebra-cabeças complexo, com várias peças que se encaixam para formar o quadro completo. Não há uma causa única, mas sim uma combinação de fatores genéticos, biológicos e ambientais que contribuem para o seu desenvolvimento.

Genes: A Herança Emocional

Os seus genes são como um mapa que guia as suas emoções, e alguns genes podem estar relacionados com o risco de desenvolver a doença bipolar. Ter familiares próximos com esta doença aumenta o risco de desenvolver a condição, mas lembre-se: os seus genes não são o seu destino! Eles apenas aumentam a probabilidade, e você tem o poder de influenciar o curso da sua jornada.

Cérebro: A Química das Emoções

O nosso cérebro é uma sinfonia de substâncias químicas, e a doença bipolar pode estar relacionada com desequilíbrios em neurotransmissores como a serotonina, a dopamina e a noradrenalina. Estes mensageiros químicos influenciam o humor, a energia e a motivação, e, quando estão em desarmonia, podem levar às oscilações emocionais da doença bipolar. Além disso, alterações na estrutura e função do cérebro também podem desempenhar um papel importante.

Ambiente: O Impacto do Mundo Exterior

O mundo à nossa volta também tem um impacto no nosso cérebro e altera as nossas emoções. Acontecimentos de vida significativos, como traumas, perdas e mudanças importantes, podem atuar como gatilhos para episódios de mudanças de humor em pessoas com doença bipolar. O uso de drogas e álcool também pode influenciar o desenvolvimento da doença ou intensificar os sintomas existentes.

 O conjunto de sintomas da doença bipolar

Os sintomas da perturbação bipolar são como um caleidoscópio, variando de pessoa para pessoa e mudando ao longo do tempo. Estes sintomas também dependem do tipo de episódio de humor que está a acontecer: mania, hipomania ou depressão.

Mania: A Explosão de Energia

O episódio de mania é uma onda de euforia e excitação que toma conta de si, por vezes com uma irritabilidade intensa. A energia surge como uma fonte inesgotável, e sente-se capaz de conquistar o mundo! O sono torna-se um luxo desnecessário, e sente que pode funcionar 24 horas por dia. Os seus pensamentos disparam como foguetes, e a sua fala acompanha o ritmo acelerado. Concentrar-se numa única tarefa é como tentar agarrar fumo. A sua autoestima aumenta como um balão, e sente-se invencível. Atenção e cuidado com a impulsividade! Gastos excessivos, abuso de substâncias e comportamentos arriscados podem ser tentadores.

Hipomania: A Energia Controlada

A hipomania é como a irmã mais nova da mania, com sintomas semelhantes, mas menos intensos. Sente-se com energia e motivado, mas sem perder o controlo. O funcionamento social e profissional geralmente não são afetados, ou seja, continua a conseguir desempenhar os seus papeis e tarefas habituais.

Depressão: A Sombra da Tristeza

No episódio depressivo uma nuvem escura paira sobre si, e a tristeza torna-se uma companheira constante. As atividades que antes traziam alegria agora parecem que não dão prazer e são vazias de significado. A fadiga suga as suas energias, e sente-se exausto, mesmo sem ter feito nenhum esforço. Concentrar-se é como escalar uma montanha, e a sua memória falha como um telemóvel sem rede. O seu apetite e sono mudam, e pode sentir-se inquieto ou letárgico. Pode ter sentimentos de inutilidade, culpa e desespero com intensidade e duração maiores. No extremo, os pensamentos de morte ou suicídio podem surgir, e é crucial procurar ajuda imediatamente.

Tipos de Doença Bipolar: Um Espetro de Experiências

A doença bipolar é como um arco-íris, com diferentes variedades e intensidades. É classificada em tipos distintos, com base na gravidade e duração dos sintomas.

A doença bipolar de tipo I (A Montanha-Russa Intensa). A doença bipolar de tipo I é caracterizada por episódios de mania que podem durar uma semana ou mais e ser tão intensos que podem exigir hospitalização. Episódios depressivos também são comuns, mas não são essenciais para o diagnóstico.

A doença bipolar de tipo II (A Ondulação Suave).  A doença bipolar de tipo II é como um passeio de barco num lago calmo, com episódios de hipomania que trazem energia e motivação, mas sem causar grande impacto no seu dia-a-dia. No entanto, para completar o diagnóstico, é preciso ter pelo menos um episódio depressivo.

Perturbação Ciclotímica: As Marés Emocionais

Imagine o seu humor como as marés, subindo e descendo em ciclos regulares. A perturbação ciclotímica é assim, com períodos de hipomania e depressão ligeira que duram pelo menos dois anos. Os sintomas são menos intensos que nos outros tipos de doença bipolar, mas ainda podem causar desconforto e interferir na sua vida.

Às vezes, a doença bipolar manifesta-se de maneiras únicas e desafiadoras, que não se encaixam perfeitamente nas categorias convencionais. Nesses casos, o diagnóstico de pode ser um desafio e a experiência do paciente é completamente individualizada e única.

 As Etapas do Tratamento da Doença Bipolar

A doença bipolar exige planeamento e acompanhamento regular e constante. O tratamento a longo prazo é essencial para diminuir e prevenir as oscilações de humor, prevenir recaídas e alcançar o equilíbrio emocional. A combinação de medicamentos, psicoterapia e mudanças no estilo de vida é a chave para o sucesso terapêutico.

Medicamentos: Os Aliados Químicos

A ciência presenteou-nos com medicamentos que podem ser verdadeiros defensores e aliados no tratamento da doença bipolar.

Os estabilizadores de humor, como o lítio, um clássico que ajuda a manter o humor estável, e anticonvulsivantes como o ácido valpróico e a lamotrigina, que também podem ser eficazes.

Os antipsicóticos, como a olanzapina, a quetiapina e o aripiprazol, que podem ajudar a controlar a mania e a depressão.

Antidepressivos, como os inibidores da recaptação da serotonina, podem ser úteis para tratar a depressão, mas devem ser usados com cautela, pois podem desencadear episódios de mania.

A escetamina, um antidepressivo de ação rápida, pode também ter um papel a desempenhar nos casos de depressão resistente no doente bipolar. Estudos têm mostrado que a escetamina pode reduzir os sintomas depressivos em pacientes com doença bipolar em poucos dias, com efeitos que podem durar semanas ou meses.

Terapias com recurso a energia elétrica e magnética

A Electroconvulsoterapia, apesar de ser um método de tratamento mais antigo, continua a ser uma ferramenta valiosa no tratamento de casos graves e refratários de doença bipolar. Consiste na aplicação de breves pulsos elétricos no cérebro, induzindo convulsões terapêuticas. Embora o mecanismo exato de ação da Electroconvulsoterapia não seja totalmente compreendido, acredita-se que ela module a atividade de neurotransmissores e regiões cerebrais envolvidas na regulação do humor. A Electroconvulsoterapia é particularmente eficaz no tratamento de episódios depressivos graves e maníacos, nos quais a resposta aos medicamentos é limitada.

Estimulação Magnética Transcraniana é uma técnica não invasiva que utiliza pulsos de energia magnética para estimular áreas específicas do cérebro. Esta técnica pode ser uma terapia promissora no tratamento de episódios depressivos da doença bipolar, com resultados semelhantes aos antidepressivos.

Psicoterapia: O Poder da Mente

A psicoterapia é como uma bússola e uma lanterna que o pode ajudar no labirinto das suas emoções. Na psicoterapia podemos entender os sintomas, desenvolver competências de enfrentamento e resolução de conflitos, e fazer mudanças positivas no estilo de vida. As terapias mais eficazes para a doença bipolar incluem:

A Terapia cognitivo-comportamental onde pode aprender a identificar e transformar pensamentos e comportamentos negativos que alimentam os sintomas.

A Terapia de suporte onde pode expressar as dificuldades que enfrenta e em simultâneo regular os ritmos pessoais, fortalecer os seus relacionamentos e estabilizar o seu humor.

A terapia familiar ajuda a unir forças com a sua família para criar uma rede de apoio e compreensão.

Mudanças no Estilo de Vida: O Equilíbrio Interior

Cuidar de si mesmo é fundamental para alcançar o bem-estar mental e físico. Crie e mantenha hábitos saudáveis para complementar o seu tratamento:

Sono Regular: durma e acorde em horários consistentes, mesmo nos fins de semana, para regular o seu ritmo circadiano e estabilizar o seu humor.

Adeus às Drogas e ao Álcool: evite substâncias que podem piorar os seus sintomas ou anular o efeito dos medicamentos.

Diminuição do Stress e tensão emocional: aprenda técnicas de relaxamento, como meditação, yoga ou exercícios de respiração, para manter o stress sob controlo.

Alimentação cuidada: alimente o seu corpo e mente com uma dieta equilibrada. – Exercício Físico: movimente-se! O exercício físico liberta endorfinas, que combatem a depressão e a ansiedade.

Quando recorrer à urgência ou ao internamento

O doente com doença bipolar deve procurar atendimento de urgência ou considerar a necessidade de internamento em situações específicas, quando a sua segurança ou a de terceiros estiver em risco. Se o paciente expressar ideias suicidas é crucial procurar ajuda imediatamente. O mesmo se aplica a comportamentos de risco, como gastos excessivos, condução perigosa ou envolvimento em atividades ilegais, que podem indicar um episódio de mania ou hipomania.

Em casos de mania aguda, com sintomas como euforia extrema, agitação, insónia grave, delírios de grandeza ou paranoia, o paciente pode perder o contacto com a realidade e colocar-se a si mesmo ou outros em perigo. A depressão grave, com sintomas como tristeza profunda, desesperança, falta de energia, alterações no apetite e sono, e ideação suicida, também exige atenção urgente.

Se o paciente não estiver a responder ao tratamento prescrito em consulta, e estiver a piorar dos sintomas ou com recorrência de episódios de depressão ou mania, o internamento pode ser necessário para ajuste da medicação, monitoramento intensivo e suporte terapêutico.

Conquistar o Topo da Montanha: Conclusões e Esperança

A doença bipolar é uma escalada desafiadora, com altos e baixos que podem testar os seus limites. Mas, com conhecimento, coragem e apoio, pode alcançar o topo da montanha e desfrutar da vista espetacular que a vida tem para oferecer.

Lembre-se: a doença bipolar é tratável, e procurar ajuda é o primeiro passo. Se você ou alguém que conhece está a enfrentar esta batalha, procure um profissional de saúde mental. Há uma comunidade de apoio pronta para o receber de braços abertos, com recursos e ferramentas para ajudá-lo a controlar os seus sintomas e viver uma vida saudável e feliz.

 

 

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