António Jácomo: “Viés Algorítmico: Desigualdades Perpetuadas pela IA no Ensino”

04/10/2025
Descubra como as comissões de ética podem se adaptar à era da inteligência artificial. Em entrevista exclusiva ao Healthnews, António Jácomo, presidente da Comissão de Ética para a Saúde da CESPU, discute inovação e integridade na pesquisa.

Healthnews (HN) – Como é que as comissões de ética das instituições de ensino superior podem adaptar-se eficazmente à era da inteligência artificial para garantir a integridade das investigações?

António Jácomo (AJ) – Começo por dizer que a necessidade de adaptação das Comissões de Ética (CEs) aos desafios da sociedade é um imperativo que está no centro da sua atividade.

Por estranho que pareça, é do diálogo com os desafios tecnocientíficos que se encontra a resposta a esta questão. A própria ciência dá às CEs os instrumentos para a sua adaptação. O caso da IA é paradigmático. Os novos recursos que a IA oferece devem ser utilizados para melhorar o trabalho das CEs. Como? Através de instrumentos concretos assentes na tríplice dimensão: reformar, adaptar e modernizar.

O papel inovador das CEs não pode ter como critério apenas um destes aspetos. Não se pode inovar sem reformar procedimentos, adaptar instrumentos e modernizar discursos.  

Nesse sentido, faço três propostas. A integração de um especialista em novas tecnologias nas Comissões de Ética. Uma segunda proposta é uma nova missão da RNCES (Rede Nacional das Comissões de Ética): a gestão de um Repositório e divulgação (em modo digital) dos pareceres das comissões de ética, criando-se assim um repositório de pareceres. Uma terceira proposta seria a instituição do “DARE – Data Reuse Certificate for Research”, reforçando a monotorização de estudos similares com uma base de dados capaz de detetar estudos já realizados e, principalmente a reutilização das bases de dados.

HN – Que competências específicas deverá ter um especialista em IA para integrar uma comissão de ética no ensino superior? Quais seriam as suas principais responsabilidades?

AJ – Para além de muitas outras que podem ser associadas aos soft skills, poderia apontar duas. A excelência do conhecimento técnico-científico. Acredito no adágio de que “só a boa ciência pode produzir boa ética”. E uma sensibilidade ética que permita ver para além daquilo que pode ser uma visão inocente da utilização das novas tecnologias

HN – De que forma a criação de um repositório de dados recolhidos em saúde poderia ajudar a combater a fraude académica? Que desafios antecipa na implementação deste sistema?

AJ – O repositório permite um apoio eficaz na laboração dos pareceres dos relatores. A Rede Nacional das Comissões de Ética poderia ser um ótimo instrumento para a implementação de um sistema inovador de consulta e divulgação de um tipo de “jurisprudência” também nos pareceres das CEs.

O grande desafio (outros poderíamos apontar) será a questão do acesso e a confidencialidade dos dados. Mas acredito que as CEs estão em condições de salvaguardar estas questões, mantendo a utilidade dos pareceres.

HN – Considerando a crescente utilização de ferramentas de IA pelos estudantes, que medidas concretas sugere para as comissões de ética detetarem e prevenirem o uso indevido destas tecnologias em trabalhos académicos?

AJ – Este é um trabalho que tem de ser realizado pelos DSI (serviços responsáveis pela gestão de sistemas) das universidades em parceria com toda a comunidade na área das novas tecnologias. A postura terá de ser “prospetiva”, ou seja, na criação dos novos recursos terá de ser realizado um esforço de monotorização do uso indevido das novas ferramentas.

Nesse sentido, dizia na resposta inicial que o trabalho das CEs na promoção da integridade científica tem de ter como parceiros os especialistas em novas tecnologias.

HN – Como podem as comissões de ética equilibrar o potencial inovador da IA na investigação com a necessidade de manter padrões éticos rigorosos?

AJ – Relativamente a esta questão tenho uma posição muito própria. É necessário criar um “nicho de mercado” para que os especialistas possam sentir que é profissionalmente aliciante trabalhar estas ferramentas. Para isso, já há muito que venho a chamar a atenção para a necessidade de uma “profissionalização” do trabalho das comissões de ética (não no sentido de criação de “Job’s” remunerados nas instituições). Para isso, é fundamental que a função formativa das CE’s passe também pela criação de ações de formação sistematizadas para os intervenientes no mundo das novas tecnologias.

HN – Que papel podem desempenhar as comissões de ética na formação e sensibilização da comunidade académica para o uso ético da IA na investigação e na produção de trabalhos científicos?

AJ – A ação passa por um maior dinamismo das CEs dentro das instituições. É fundamental que a “comunidade académica” tenha consciência da existência das CEs dentro das instituições. Não apenas no sentido de ter um link ou estar presente no site das instituições, mas que se conheçam os rostos das pessoas que compõe a CE; que o diálogo com os investigadores se faça criando um ambiente de confiança e reconhecimento da missão, do valor e da competência dos membros das CEs. Só assim a sensibilização terá eco junto da comunidade onde a CE exerce funções. A consciencialização do uso ético da IA não é diferente da consciencialização ética nas outras dimensões da vida de uma instituição. Sem uma motivação racional de exigência pessoal todo o trabalho será inútil. Numa palavra: credibilização.

Entrevista MMM

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