Nas últimas décadas, o mundo testemunhou um aumento significativo na frequência e intensidade de emergências humanitárias, impulsionadas por fatores como as mudanças climáticas, a urbanização acelerada, a instabilidade geopolítica e as pandemias. Estes eventos colocam uma enorme pressão nos sistemas de saúde, especialmente em regiões vulneráveis, onde as infraestruturas são precárias e os recursos escassos. Perante este cenário, a procura por soluções inovadoras tornou-se imperativa para garantir o acesso equitativo à assistência médica e de enfermagem, e reduzir a morbilidade e a mortalidade em situações críticas.
A tecnologia tem desempenhado um papel cada vez mais relevante no apoio às operações de socorro, desde os sistemas de informação geográfica, até às plataformas de telemedicina. Contudo, nos últimos anos, uma combinação particularmente promissora surgiu no horizonte da inovação: a integração entre drones, ou Veículos Aéreos Não Tripulados (VANTs), e a Inteligência Artificial (IA), que têm transformado diversos setores, incluindo a área da saúde. Em contextos de emergência, como desastres naturais, epidemias e conflitos armados, a combinação destas duas tecnologias tem demonstrado um grande potencial para melhorar a eficiência da resposta humanitária, ampliando o acesso a serviços de saúde e otimizando os recursos sempre limitados nestes contextos.
A ajuda humanitária enfrenta desafios significativos constantes, como a falta de infraestruturas adequadas, a dificuldade de acesso a áreas remotas e a escassez de meios, pelo que a utilização de drones equipados com IA pode representar uma solução inovadora para superar estas barreiras, permitindo a entrega de material médico e de enfermagem, monitorização de surtos de doenças e até mesmo a realização de diagnósticos remotos.
A aplicação de IA em drones nas operações de ajuda humanitária na área da saúde, vai além do simples transporte de medicamentos e de materiais médicos/enfermagem. A IA permite que os drones se adaptem às condições de voo em tempo real, otimizem rotas e entregas, e até analisem dados para apoiar decisões médicas e logísticas.
As principais características destas tecnologias incluem a possibilidade de os drones com IA serem capazes de navegar de forma autónoma, evitando obstáculos e adaptando-se às condições variáveis do ambiente, assim como, otimizar os percursos com base em dados meteorológicos, garantindo uma entrega eficiente de medicamentos, sangue, vacinas e kits de primeiros socorros. Os drones equipados com sensores e camaras, podem captar imagens e dados ambientais, que ao serem processados por algoritmos de IA, facultam informações fundamentais para fazer o mapeamento da área afetada, as condições de segurança das infraestruturas, a densidade populacional, e as caraterísticas especificas da população. Ao utilizar o processamento de imagem em tempo real, os sistemas de IA dos drones, conseguem fazer a triagem automatizada e o reconhecimento de vítimas, ao detetar sinais vitais visíveis, como movimentação ou coloração da pele, auxiliando as equipas de primeiros socorros a identificar e a estabelecer prioridades de atendimento.
A utilização de drones com IA em operações humanitárias pode trazer uma série de benefícios significativos, tanto para as comunidades afetadas como para as organizações humanitárias envolvidas, uma vez que agiliza a resposta, permite um melhor acesso às populações isoladas e mais vulneráveis, otimiza os recursos existentes, reduz os custos operacionais e fortalece a vigilância epidemiológica. Em contextos de alto risco biológico, como pandemias, epidemias de doenças altamente transmissíveis ou em zonas de guerra, o uso de drones autónomos reduz a exposição das equipas médicas, de enfermagem, socorristas, pessoal da logística e agentes de autoridade, protegendo vidas e preservando recursos humanos essenciais.
As perspetivas futuras da integração de sistemas de IA na ajuda humanitária, especialmente na área da saúde, devem incluir: drones capazes de operar em rede, oferecendo uma abordagem mais eficiente para a entrega de serviços e recolha de dados; drones que integram sistemas de saúde digital e telemedicina; drones projetados para condições climáticas e geográficas particulares; e, a educação e a capacitação das comunidades locais, para promover a sustentabilidade e a soberania tecnológica nas regiões mais necessitadas. Para tudo isto, é necessário a implementação de políticas públicas e de regulamentação ética, como forma de garantir o uso responsável destas tecnologias.
A crescente sofisticação dos drones autónomos com sistemas de IA, impulsiona o debate ético, principalmente no que diz respeito ao grau de autonomia aceitável para estas tecnologias no que diz respeito a decisões sensíveis. Em missões críticas é imprescindível que haja supervisão humana qualificada, evitando que erros algorítmicos resultem em negligência, discriminação ou até fatalidades. Tal como noutros contextos, a IA na ajuda humanitária deve operar sob os princípios de transparência, explicabilidade, auditabilidade e intervenção humana garantida, de forma a preservar os direitos fundamentais das pessoas afetadas pelas catástrofes.
O rigor na manutenção da privacidade e proteção de dados sensíveis, tendo em conta a ausência de consentimento explícito, levantam preocupações sobre o uso indevido de informações de saúde, localização e identidade, principalmente em situações de conflito. Por este motivo, a aplicação de drones com sistemas de IA em contextos humanitários exige um novo paradigma ético baseado em responsabilidade algorítmica, proteção de dados e soberania digital.
Também desafiadora é a definição de responsabilidade legal. Em situações em que um drone autónomo com IA falha, sobre quem recai a responsabilização? Sobre o fabricante, o programador, a organização que a usou ou o profissional que operou o dispositivo? Esta lacuna jurídica exige a criação de regulamentação clara e adaptativa, capaz de acompanhar a evolução tecnológica sem coartar a inovação. A inclusão de cláusulas de segurança, monitorização contínua e mecanismos de responsabilização, é essencial para garantir a confiança pública nessas tecnologias, tendo em conta que vão ser usadas em populações em condições de especial vulnerabilidade.
A aplicação de drones com sistemas de IA nas operações de ajuda humanitária representa uma revolução nas respostas a crises globais. Com potencial para salvar vidas, aumentar a eficiência das operações e promover a equidade no acesso aos bens de saúde, estas tecnologias oferecem soluções inovadoras para os desafios enfrentados em regiões vulneráveis. Contudo, o seu uso exige uma governança ética sólida, regulamentação clara e capacitação das comunidades locais, pois só assim a tecnologia poderá cumprir o seu papel de transformação social, beneficiando milhões de pessoas em situação de risco.
Ao integrar a IA em drones na ajuda humanitária, estamos não só a revolucionar a forma como respondemos a situações de crise e catástrofes, mas também a abrir uma nova etapa na luta pela equidade no acesso à saúde, onde a tecnologia se torna uma aliada vital da dignidade humana.
Referências
Junqueira, L., Martins, L., & Silva, A. (2024). Aplicação de drones em emergências, desastres e ajuda humanitária: uma revisão sistemática da literatura. Revista Brasileira Multidisciplinar, 27(1), 2527–2675. https://doi.org/10.25061/2527-2675/ReBraM/2023.v26i3.1848
World Health Organization. (2022). Ethics and governance of artificial intelligence for health. https://www.who.int/publications/i/item/9789240029200
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