llda Faustino: “Lutar Contra o Sexto Cancro Mais Mortal do Mundo”

04/25/2025
Em entrevista exclusiva ao HealthNews, Sofia Correia de Barros, Presidente da Associação Nacional de Centros de Diálise (ANADIAL), destaca os desafios da literacia em saúde, a importância da prevenção e diagnóstico precoce da doença renal crónica, e faz o balanço das quatro décadas de trabalho da associação, sublinhando a necessidade de inovação e de uma maior valorização do setor em Portugal.Em entrevista exclusiva ao HealthNews, Sofia Correia de Barros, Presidente da Associação Nacional de Centros de Diálise (ANADIAL), destaca os desafios da literacia em saúde, a importância da prevenção e diagnóstico precoce da doença renal crónica, e faz o balanço das quatro décadas de trabalho da associação, sublinhando a necessidade de inovação e de uma maior valorização do setor em Portugal.

HealthNews (HN) – Considerando que o cancro do esófago é o oitavo mais comum no mundo, mas o sexto em mortalidade, com aproximadamente 544.000 mortes registadas em 2020 (5,5% do total de mortes por cancro), quais fatores contribuem para esta elevada taxa de letalidade?

Ilda Faustino (IF) – A elevada taxa de letalidade do cancro do esófago pode estar relacionada com vários fatores, nomeadamente, a agressividade da doença (que pode apresentar um crescimento rápido e disseminação para outros órgãos), o diagnóstico tardio (pela inespecificidade de sintomas e inexistência de rastreio populacional implementado) e a escassez de opções terapêuticas.

 HN – Aproximadamente 70% dos casos de cancro do esófago ocorrem em homens. A que se deve esta disparidade significativa entre os géneros e existem fatores de risco específicos que justifiquem esta diferença?

IF – A disparidade significativa entre os géneros, com predomínio do cancro do esófago nos homens, pode estar relacionada com fatores de risco comportamentais e biológicos. De facto, geralmente, os homens tendem a fumar mais e consumir mais álcool do que as mulheres, ambos fatores de risco conhecidos para o desenvolvimento do cancro do esófago. Para além disso, certos hábitos alimentares, como o consumo de alimentos muito quentes, enchidos ou fumados, também podem ser mais comuns entre os homens em algumas regiões. Alguns estudos apontam ainda para a possibilidade de poderem existir fatores biológicos e hormonais que influenciem esta diferença entre os géneros.

Por conseguinte, a combinação de comportamentos de risco mais prevalentes entre os homens e possíveis fatores biológicos contribuem para essa disparidade significativa entre os géneros, no que concerne à incidência de cancro do esófago.

HN – Quais são os sinais de alerta para o cancro do esófago que a população deveria conhecer para garantir um diagnóstico mais precoce, considerando sintomas como dificuldade em engolir, soluços e perda de peso inexplicável?

IF – É fundamental ter atenção aos sinais e sintomas que podem sugerir o desenvolvimento de cancro do esófago, de modo a garantir um diagnóstico precoce e aumentar as probabilidades de sucesso do tratamento.

Os principais sintomas que a população deve conhecer incluem dificuldade em engolir (disfagia), que pode começar com alimentos sólidos e posteriormente agravar-se, surgindo também com dieta cremosa ou mesmo líquida.

Outros sintomas que deverão ser valorizados são dor ou desconforto ao engolir, sensação de que o alimento fica preso na garganta ou no peito, regurgitação frequente, soluços persistentes e perda de peso inexplicável.

Na presença destes sintomas, é fundamental procurar uma avaliação médica porque quanto mais cedo o cancro for detetado, maiores são as probabilidades de um tratamento bem-sucedido.

HN – Como se diferenciam, em termos de evolução clínica e abordagem terapêutica, o carcinoma de células escamosas da parte superior do esófago e o adenocarcinoma predominante na região inferior, incluindo a junção gastroesofágica?

IF – O carcinoma de células escamosas e o adenocarcinoma do esófago apresentam diferenças importantes, tanto na evolução clínica, quanto na abordagem terapêutica.

Em termos de evolução clínica, o carcinoma de células escamosas geralmente ocorre na parte superior e média do esófago e está mais associado a fatores de risco como tabagismo e consumo de álcool. Este tipo de tumor, pela sua localização, tende a apresentar-se com sintomas como dificuldade em engolir, dor no peito e perda de peso, e costuma ser detetado em estadios mais avançados. Já o adenocarcinoma, que predomina na região inferior e na junção gastroesofágica, está frequentemente relacionado com o refluxo gastroesofágico crónico e/ou com a obesidade, podendo evoluir de uma condição prévia chamada esofagite de refluxo ou esófago de Barrett. Neste caso, a deteção precoce pode ser facilitada por exames de rotina em doentes com esses fatores de risco.

Quanto à abordagem terapêutica, ela varia de acordo com a localização, estadio do tumor e condições do doente. Em fases muito precoces da doença, os tratamentos endoscópicos devem ser considerados, por terem menos riscos e possibilitarem uma taxa de sucesso semelhante comparativamente a procedimentos mais invasivos. Em fases localmente avançadas, mas não disseminadas, nos tumores de células escamosas, a quimioterapia concomitante com radioterapia e a cirurgia são opções comuns, muitas vezes combinadas. Para o adenocarcinoma da região inferior, a cirurgia é frequentemente o tratamento principal, geralmente combinado com quimioterapia perioperatória (antes e depois da cirurgia) ou, em alternativa, quimioterapia e radioterapia neoadjuvantes (antes da cirurgia).   Além disso, tanto nos tumores de células escamosas, como nos adenocarcinomas, existe ainda a possibilidade de realizar imunoterapia adjuvante (após a cirurgia), em alguns casos, com redução do risco de reaparecimento da doença.

Nos casos de doença metastizada, a quimioterapia, a imunoterapia e outras terapêuticas dirigidas, são os tratamentos de eleição, com objetivo de prolongar o tempo de vida dos doentes

 HN – Sendo o cancro do esófago difícil de diagnosticar e tratar, como indicam os dados epidemiológicos, quais têm sido os avanços mais significativos na detecção e nas estratégias terapêuticas para melhorar o prognóstico dos doentes?

IF – Felizmente, temos assistido a avanços significativos, quer no diagnóstico, quer no tratamento, do cancro do esófago, o que tem permitido melhorar o prognóstico dos doentes.

Relativamente ao diagnóstico, de referir o uso de técnicas de imagem mais precisas, por vezes com auxílio de inteligência artificial, permitindo uma visualização mais detalhada do esófago e facilitando a identificação de lesões precoces, aumentando a possibilidade de conseguir um tratamento curativo e com menos riscos associados. Outra estratégia importante tem sido a vigilância em doentes com fatores de risco (como refluxo crónico ou esófago de Barrett) permitindo a deteção precoce de lesões pré-malignas ou em estadios iniciais.

No campo terapêutico, destaca-se a cirurgia minimamente invasiva, que reduz complicações e melhora a recuperação do doente. A realização de quimioterapia, associada ou não a radioterapia, antes da cirurgia (terapia neoadjuvante), tem permitido melhorar a taxa de ressecção completa e a sobrevivência. Além disso, o desenvolvimento de imunoterapia e outras terapêuticas dirigidas a alvos específicos têm aberto novas possibilidades de tratamento.

Em suma, os avanços na acuidade diagnóstica, as abordagens cirúrgicas menos invasivas, as combinações de terapias multimodais e as novas opções de tratamento sistémico têm contribuído para melhorar o prognóstico dos doentes com cancro de esófago.

 HN – Em Portugal foram identificados 683 novos casos de cancro do esófago em 2020. Que estratégias preventivas e de rastreio recomendaria para reduzir a incidência e mortalidade associadas a esta doença no contexto nacional?

IF – Para reduzir a incidência e mortalidade do cancro de esófago, destaco algumas estratégias preventivas e de rastreio.

Estratégias preventivas:

  1. Promoção de hábitos de vida saudáveis: incentivar a cessação do tabagismo, o consumo moderado de álcool, a evicção de alimentos com potencial carcinogénico e a manutenção de um peso corporal saudável, que são fatores de risco modificáveis para o cancro do esófago.
  2. Controlo do refluxo gastroesofágico: promover o diagnóstico e tratamento adequados da doença do refluxo, que está associado ao desenvolvimento do adenocarcinoma na região inferior do esófago.
  3. Educação e conscientização: informar a população sobre os fatores de risco, sintomas iniciais e a importância de avaliação médica precoce.

Estratégias de rastreio:

  1. Identificação de grupos de risco: vigiar periodicamente indivíduos com refluxo gastroesofágico crónico, esófago de Barrett, obesidade ou histórico de tabagismo e alcoolismo.
  2. Realização de exames endoscópicos periódicos: implementar programas de rastreio com endoscopia em populações de alto risco, com objetivo de detetar lesões pré-malignas ou cancro em estadios iniciais, quando o tratamento é mais eficaz.

Estas ações combinadas podem ajudar a diminuir a incidência e melhorar o diagnóstico precoce, aumentando as probabilidades de sucesso no tratamento e reduzindo a mortalidade.

Entrevista MMM

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