Não sei porque vias do destino fui parar a um balcão de privilégio na Rua de Santa Catarina, nesta minha adorada e histórica cidade Invicta.
Sei que para os meus ingénuos 13 anos, toldados pelo eterno nevoeiro cinzento de um país amordaçado, aquele primeiro 1 de Maio em liberdade ficou marcado em brasa, nas minhas mais intensas memórias.
Vinha ilustrado pelas conversas clandestinas do meu saudoso pai, meu primeiro herói da Resistência, que teatralmente fechava os estores da cozinha, falando baixinho “porque há sempre ouvidos estranhos”, contando as mil e uma histórias de uma luta que para ele, era como a própria vida…
Desde o “bacalhau a pataco de Norton de Matos”, a Henrique Galvão e o sequestro do Santa Maria, a explosão popular do desembarque de Humberto Delgado na estação de S. Bento, as lutas académicas de Coimbra nos anos 60, a coragem de resistência de um tal de PCP, a admiração por um jovem advogado que não dobrava a espinha, de seu nome Mário Soares, até uma lufada de ar fresco dentro da própria assembleia de um esperançoso Sá Carneiro…
Aquele brilho nos seus olhos, sempre que desfiava a sua galeria de heróis, sempre me guiaram, sem mácula ou hesitação, para o lado certo da História de onde nunca saí…
Liberdade….
Essa imensa liberdade que ecoava, que escorria em torrentes por cada artéria desta cidade, num clamor caótico, inocente, ainda com tantas dúvidas e ilusões, de um povo por uma vez unido, por um ideal tão simples de partilhar…
Éramos livres!
Mares de cartazes e bandeiras, hordas de gente feliz sem freios, de braço dado entoando a Grândola, e o “povo unido que nunca mais seria vencido”, explodindo de emoção pura na “Portuguesa”.
E aquela estranha bandeira vermelha, de foice e martelo, que ondeava orgulhosamente em todo o lado, tão estranhamente igual, às que em fotos de Moscovo tinha reconhecido…
E naquele dia bastava.
Como bastavam as lágrimas de emoção no rosto do meu pai, o meu primeiro e eterno herói dessa coisa única e inegociável.
Mal eu sabia que aquele primeiro 1 de Maio foi talvez o derradeiro momento dessa fraternidade
Ainda ecoa a frase do meu pai “não passei a vida a lutar contra uma ditadura, apenas para a trocar agora por outra, de outra cor!”… antes de abalarmos para um histórico momento, numa tal de Fonte Luminosa…
Em breve uma fenda se iria alargar e aprofundar, numa cisão que quase quebrava Portugal, entre gente que não tenho dúvidas lutava por convicção profunda e ideais, no ano mais intenso dessa minha aprendizagem política, em que uma erupção de caos permanente, uma avassaladora onda revolucionária, desaguou num outro marco fundador da nossa jovem Democracia, esse 25 de Novembro de uma nova libertação.
E talvez seja esta a fronteira entre os verdadeiros democratas e todas as outras variações de pseudo-qualquer coisa…
O não haver hesitações em festejar por igual os dois “25” cristalinos dias.
Nunca mais o 1 de Maio foi igual.
Mas há coisas que nunca mudam.
É o dia da gente que sofre e trabalha e porfia, sem nunca abandonar o direito a lutar por dias melhores.
- O direito à dignidade do seu trabalho.
- O direito a remunerações justas.
- O direito ao reconhecimento da meritocracia também.
- O direito ao seu tempo livre, para um dia confessar que viveu.
- O direito a que o amor, os filhos, os netos, toda a paixão pelo único elo seguro das nossas vidas, não seja apenas a visão fugaz de um pai, uma mãe cansados, a chegar a casa tarde e más horas, sem tempo ou energia para a magia desses pequenos momentos…
E revejo esta imagem no SNS.
Onde militei com gosto, empenho, energia, e enorme empatia 25 anos da minha vida.
Onde cresci como profissional e ser humano, apenas porque a humanidade em todas as suas grandezas únicas e falhas e derrotas, angústias e altruísmos, egoísmos e desistências, entravam todos os dias pela consulta, internamento, bloco.
Que outra escola nos consegue ensinar a resiliência permanente do ser médico?
Tive o privilégio de pertencer a uma “tropa de elite”, a um dos serviços mais organizados, solidários, empenhados na formação contínua, no saber científico, do colocar o ser humano doente como o único verdadeiro desígnio de cada dia.
Ao Serviço de Ortopedia de Santo António, a minha eterna gratidão.
E o confessar de uma eterna saudade…
Durante todos esses anos privei com alguns dos seres humanos mais luminosos desse meu caminho…
Enfermeiros que nunca viraram a cara à luta e às injustiças, que colocavam o ser humano no centro do seu Mundo, que sabiam ser respeitados pelo seu exemplo e ética de trabalho, com alguns líderes únicos, dos que nunca se afogaram em papeis de burocratas, liderando pelo exemplo, lutando dia a dia nas trincheiras ao lado dos seus…
Técnicos de saúde de todas as áreas, que aceitaram os desafios crescentes das complexidades da Medicina, dando o melhor de si, mesmo lidando com a tremenda injustiça de ver a sua diferenciação menorizada, nunca reconhecida ou compensada com justiça…
E a esse bom povo tantas vezes tornado “invisível”, pela arrogância de uns tantos a quem o “canudo” toldou o discernimento, o esforçado mundo dos(das) auxiliares de acção médica, tão “pouco importantes” que sem eles o Hospital para…
Que sem eles, a última e derradeira voz de conforto, não chegaria ao doente frágil e solitário, numa remota enfermaria qualquer…
Para todos os trabalhadores do SNS, este meu Primeiro de Maio é para vocês!
Com a minha homenagem e eterna gratidão…
E AINDA…
Há muitas formas de lutar pelos nossos ideais.
Certos ou errados, discutíveis e contestáveis certamente.
Se assim não fosse, não se chamava Democracia.
Mas nesta imensa liberdade que não negoceio, neste direito a pensar livre e pela minha cabeça…
Quero aqui reforçar o meu apoio e empenho, na solidariedade de uma gente eclética no seu pensar, livre de ferrolhos de partidarites sem sentido neste contexto…
Uma gente livre e saudável no simples exercício do pensar, que um dia encontrei nesse tesouro da culinária Portuense, o nosso Pombeiro…
E com todos os laços de empatia que me unem a cada um,
Força nessa candidatura ao Conselho Regional Norte da Ordem dos Médicos!
E força à liderança tranquila do meu amigo Torres da Costa, cuja força se baseia no bom senso e humanismo
E nos princípios simples de que a nossa Ordem nos pertence, não pode ser mero quintal de carreiras políticas egoístas…
Esta é hoje a minha luta!
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