As mucopolissacaridoses, doenças lisossomais de sobrecarga, são doenças raras que, de acordo com um estudo epidemiológico na população portuguesa sobre a prevalência de mucopolissacaridoses tipo IV-A, cuja publicação data do ano 2004, impactam 0.6 casos por cada 100.000 recém-nascidos.
Caracterizadas por um erro inato do metabolismo dos glicosaminoglicanos (GAGs), também conhecidos como mucopolissacáridos, que são constituintes essenciais da matriz do tecido conjuntivo, contribuindo para a integridade do mesmo, comprometem significativamente a qualidade de vida de quem vive com este diagnóstico, um desafio que se acaba por estender ao acompanhamento destes doentes, com destaque para questões que incluem o diagnóstico precoce e a incerteza sobre a eficácia de novos tratamentos.
Estamos a falar de doenças que afetam múltiplos órgãos, desde o sistema nervoso central até ao cardiovascular, passando pelo musculoesquelético e ocular, e que acarretam, na generalidade, variadas e graves manifestações. Pelo que uma das principais preocupações dos doentes e das suas famílias está relacionada com o caráter progressivo e imprevisível da doença, com um espetro de gravidade que pode variar significativamente, associado a um crescente grau de dependência na realização até das tarefas do dia-a-dia.
O que nos coloca perante a necessidade de um apoio que deve ser também multidisciplinar, que inclui especialidades tão diversas como a Medicina Interna, a Pneumologia, a Cardiologia, a Fisiatria, a Ortopedia, a Neurocirurgia, a Otorrinolaringologia, a Oftalmologia, a Pediatria, entre outras. E que exige da parte dos médicos, cientistas e autoridades de saúde um investimento contínuo em informação e formação, capaz de garantir que nenhum doente deixa de ser assistido devido ao desconhecimento sobre estas doenças.
De facto, apesar de sabermos que as patologias raras não fazem parte do conhecimento da generalidade da comunidade médica, a escassez de conhecimento sobre doenças como as mucopolissacaridoses entre os profissionais de saúde é claramente um obstáculo que precisa de ser superado, sendo importante o reconhecimento por parte dos médicos de determinadas manifestações que devem fazer suspeitar de uma doença metabólica hereditária ou, num sentido mais lato, de uma patologia rara.
Para isso, considero essencial a criação de redes de referenciação para estas patologias, onde a experiência na avaliação deste tipo de problemas vai permitir um diagnóstico mais precoce, o que pode configurar um passo essencial no suporte aos doentes.
Em termos de tratamento, existem várias modalidades terapêuticas disponíveis, entre as quais o tratamento de suporte e das complicações clínicas, terapêutica de substituição enzimática (TSE) e transplante de células estaminais hematopoiéticas, utilizadas dependendo do tipo específico de mucopolissacaridoses. Tratamentos que oferecem esperança, apesar das suas limitações.
Mas há que assinalar uma investigação contínua sobre novos métodos, traduzida no desenvolvimento de ensaios clínicos nesta área, que representam avanços promissores e esperança para aqueles que lidam diariamente com as consequências destas doenças, ainda que se mantenha um longo caminho para garantir que são eficazes e estão acessíveis a todos os que dele necessitam.
Por fim, é imperativo que Portugal amplie sua aposta na investigação sobre doenças raras, proporcionando suporte adequado aos doentes e às suas famílias. A ciência avança, mas sem um compromisso coletivo, pode não passar apenas de uma esperança.
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