Investigação mostra impacto real de uma terapia génica inovadora no tratamento de doença da visão

20 de Maio 2025

Uma equipa multidisciplinar da Universidade de Coimbra (UC) e da Unidade Local de Saúde de Coimbra (ULS Coimbra) publicou um estudo pioneiro que demonstra, pela primeira vez, o impacto direto da terapia génica no cérebro de doentes com distrofia retiniana hereditária associada ao gene RPE65, uma doença rara que provoca perda grave da visão bilateral.

O tratamento inovador, denominado voretigene neparvovec, consiste na substituição do gene defeituoso através da administração sub-retiniana do gene funcional, realizada após cirurgia intraocular (vitrectomia). Embora os benefícios visuais da terapia já estivessem documentados, a investigação da UC e da ULS Coimbra foi além, revelando alterações nas áreas do córtex cerebral relacionadas com a visão após o tratamento.

Publicado na revista Communications Medicine, do grupo Nature, o artigo científico “Improvements induced by retinal gene therapy with voretigene neparvovec depend on visual cortical hemispheric dominance mechanisms” detalha as melhorias observadas. Os doentes foram avaliados antes e um ano após o tratamento, com exames imagiológicos da retina, testes de função visual com estímulos variados de luminosidade e contraste, e ressonância magnética funcional. Os resultados evidenciaram uma melhoria significativa na sensibilidade à luz em ambientes de baixa luminosidade.

Surpreendentemente, a melhoria não depende exclusivamente das células retinianas intervencionadas, mas também da capacidade do cérebro responder à terapia. Segundo Miguel Castelo-Branco, docente da Faculdade de Medicina da UC e diretor do Centro de Imagem Biomédica e Investigação Translacional (CIBIT) do ICNAS, “as regiões do hemisfério direito do cérebro, que dominam a função visual, foram aquelas que mostraram melhor resposta à intervenção”.

Este estudo destaca ainda a importância das abordagens de reabilitação, como o treino da função visual, para potenciar a resposta cerebral à terapia génica. O neurocientista sublinha a necessidade de “reeducar” os circuitos cerebrais mesmo quando o tratamento é dirigido aos órgãos dos sentidos, comparando com o processo de reabilitação auditiva após implantes cocleares.

A participação da equipa da ULS Coimbra no consórcio europeu ERN-EYE, que reúne 24 países e se dedica a doenças oculares raras, foi fundamental para o desenvolvimento do estudo. Esta rede visa melhorar o conhecimento e o acompanhamento das mais de 900 doenças oculares raras conhecidas, principais causas de deficiência visual e cegueira em crianças e jovens na Europa.

O artigo tem como primeiros autores Mariana Ferreira, estudante de doutoramento da Faculdade de Ciências e Tecnologia da UC e investigadora do CIBIT, e João Pedro Marques, coordenador clínico da Consulta de Oftalmogenética do Serviço de Oftalmologia da ULS Coimbra e docente da FMUC. Entre os coautores contam-se Miguel Raimundo, oftalmologista da ULS Coimbra, e Hugo Quental, investigador do CIBIT.

O estudo pode ser consultado em www.nature.com/articles/s43856-025-00820-y.

NR/PR/HN

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