Nova visão para os cegos

2 de Julho 2020

Roska e os seus colegas conduziram trabalhos pioneiros na identificação dos cerca de 100 tipos de células diferentes presentes na retina e nas suas redes complexas de processamento de sinais

O prémio Körber para a Ciência Europeia, no valor de um milhão de euros, vai ser atribuído ao físico húngaro Botond Roska, um dos mais prominentes especialistas no estudo da retina e da visão, pelas revoluções na oftalmologia através do seu trabalho. Roska definiu para si mesmo o objetivo de restabelecer a visão aos cegos.

Botond Roska

A maioria das doenças nos olhos são causadas hereditariamente ou por defeitos na retina relacionados com a idade. Roska e os seus colegas conduziram trabalhos pioneiros na identificação dos cerca de 100 tipos de células diferentes presentes na retina e nas suas redes complexas de processamento de sinais. Juntos, foram capazes que atribuir a causa de numerosas doenças da retina a defeitos genéticos em células individuais. Agora, o cientista está a trabalhar numa maneira de tornar as suas descobertas beneficiais ao paciente através de terapia dos genes que alivie ou cure as suas doenças.

Roska realizou um genuíno avanço científico quando reprogramou um tipo de célula no olho permitindo que estas assumissem a função de células recetoras de luz defeituosas. Desde então foi capaz de devolver a fotossensibilidade a retinas cegas, e já começou ensaios clínicos com pacientes invisuais.

Botons Roska, de 50 anos, estudou inicialmente violoncelo na Academia de Música de Budapeste mas viu-se obrigado a desistir pela força de uma lesão, e decidiu completar os estudos nas áreas da medicina e matemática. Completou o doutoramento em Berkley, nos Estados Unidos – onde continuou a fazer investigação nos campos da genética e virologia, em Harvard

De 2005 a 2017, Roska foi líder de um grupo de investigação no Instituto Privado de Pesquisa Biomédica Friedrich Miescher, em Basileia. Em dezembro de 2017, juntamente com o professor Hendrik Scholl, tornou-se diretor fundador do Instituto de Oftalmologia Molecular e Clínica de Basileia (IOB).

Para muitas pessoas, a ideia de ficar invisual é, por exemplo, pior do que contrair alzheimer ou cancro. Para além disso, as doenças oculares estão em crescimento acelerado face à crescente longevidade. Estima-se que 36 milhões de pessoas em todo o mundo serão cegas, e que mais de mil milhões sofram de dificuldades de visão graves.

Durante muito tempo as inovações na oftalmologia foram surgindo de forma lenta. “Isto aconteceu porque muitas vezes os investigadores não sabem as necessidades terapêuticas nas clinicas com exatidão suficiente”, explica Roska. Uma razão para isso mesmo é que lhes falta contacto direto com os pacientes.

As equipas científicas presentes nas clínicas, por outro lado, não costumam estar suficientemente informadas sobre os mais recentes avanços na investigação científica. Para reduzir este espaço, o IOB tem vindo a implementar uma abordagem interdisciplinar desde 2017, em que “os investigadores e os profissionais das clínicas trabalham de mãos dadas numa base regular”.

Um fator essencial para o sucesso do IOB é o acesso multidisciplinar e a combinação de métodos das áreas da genética, biologia molecular, neurociência e ciências computacionais. Tradicionalmente, os médicos têm examinando a retina do olho como tratando-se essencialmente de tecido. Já Roska e os colegas, por outro lado, fizeram um esforço para estudar os cerca de 100 tipos de células diferentes presentes na retina e a sua função interativa de forma intensiva pela primeira vez. A equipa também localizou e mapeou defeitos genéticos que conduzem a doenças nos olhos. Desta forma, os investigadores criaram um banco de novo conhecimento que coloca a oftalmologia num novo patamar.

A retina está localizada na parte de trás do globo ocular – por oposição à lente do olho que ali projeta as imagens. Os seus elementos sensíveis à luz chamam-se cone e bastonete, e convertem a luz que entra no olho em sinais elétricos. “A retina é uma extensão do cérebro. A sua complexa rede de células nervosas processa os sinais de forma semelhante a um computador”, explica Roska.

A sua estrutura complicada torna a retina particularmente suscetível a doenças genéticas – é também a parte do corpo que mais por elas se vê afetada. Roska concentra-se particularmente nas doenças genéticas mais comuns nos olhos, a retinite pigmentosa.

A retinite pigmentosa começa com a redução da visão no escuro devido à morte dos bastonetes. Mais tarde, os cones perdem a sensibilidade à luz, o que causa a cegueira. Esta doença permanece, até agora, como incurável, mas Roska quer utilizar um método de cura que testou em 2008: incorporar canais de proteína sensíveis à luz originários em algas, fungos ou bactérias em células ainda intactas na retina utilizando transportadores de genes. Por sua vez, estes canais podem apoderar-se da tarefa de recetores de luz e permitir restaurar pelo menos de forma parcial a visão. Um estudo clínico com cinco pessoas está neste momento a decorrer.

A degeneração macular relacionada com a idade (conhecida por AMD) é uma outra doença dos fotorrecetores. Esta afeta não só a região central da retina, chamada “macula” ou “fóvea”, que é responsável pela visão de alta resolução, permitindo ler e reconhecer caras. A equipa de Botond Roska desenvolveu recentemente uma nova tecnologia que poderá, no futuro, facilitar a restauração da função visual na fóvea danificada de pacientes com AMD. Os investigadores devolveram a sensibilidade à luz infravermelha a células da retina humana, que pode ser projetada na fóvea com recurso a óculos especiais.

É provável que o último sucesso de Roska se possa provar decisivo em ajudar em relação a este aspeto. O cientista foi pela primeira vez bem-sucedido em fazer crescer uma retina artificial completa em placas de Petri. A retina organoide cresceu em cerca de 30 semanas através de vários paços de engenharia genética, depois de terem sido retiradas células da pele de um paciente. Este material organoide contém tipos de células semelhantes com as mesmas ou semelhantes funções às da retina humana adulta. Se o paciente de quem a amostra de pele foi retirada tiver defeitos genéticos na retina, estes defeitos serão também encontrados nos órgãos organoides cultivados. Os cientistas conseguem agora utilizar estas retinas miniatura para testar se certas terapias de gene funcionam ou não, para testar diferentes abordagens.

O Prémio Körber para a Ciência Europeia de 2020 vai ser apresentado a Botond Roska a 7 de setembro no Grande Festival de Hamburg City Hall. O Prémio Körber, de cerca de um milhão de euros, é um dos com maior prémio monetário no mundo. Cinco por cento do valor deverá ser utilizado em ciência de comunicação. A fundação tem atribuído a honra todos os anos desde 1985 ao responsável por um avanço significativo nas ciências vivas ou física na Europa. É atribuído pela excelência e pesquisa inovadora com grande potencial aplicativo.

Até à data, seis vencedores do prémio Körber foram também galardoados, mais tarde, com o prémio Nobel.

NR/HN/João Daniel Ruas Marques

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