Os anticoagulantes e antiagregantes plaquetários são fármacos amplamente usados em pacientes com alto risco tromboembólico: comumente prescritos para prevenir, tratar ou reduzir o risco de tromboembolismo na fibrilhação auricular, tratamento de tromboembolismo venoso, prevenção secundária de acidente vascular cerebral, doenças cardíacas isquémicas, enfarte do miocárdio, embolia pulmonar e prevenção de tromboembolismo em cirurgias cujo tempo de imobilização se espere ser longo ou após procedimentos cirúrgicos como substituição de válvulas cardíacas, stents e implantação de próteses articulares. Em Portugal (2018), a utilização destes fármacos foi superior nas faixas etárias mais elevadas, com a população superior aos 85 anos a representar 17,3% (dados do Infarmed) do total da utilização, o que traz preocupações a nível do potencial de risco hemorrágico após procedimentos dentários invasivos.
A maioria dos médicos dentistas está familiarizado com as guidelines de gestão do anticoagulante varfarina, e de antiagregantes como a aspirina e o clopidogrel. No entanto, em 2008 surgiram no mercado vários novos anticoagulantes – conhecidos como NOAC’s, designadamente o apixabano , dabigatrano, edoxabano e rivaroxabano – e antiagregantes – como o prasugrel e ticagrelor . Inicialmente, a falta de evidência no que toca às guidelines para esta terapêutica levou a alguma incerteza no controlo correto destes pacientes. Embora seja provável que os pacientes a fazer esta terapêutica tenham mais eventos hemorrágicos durante o período peri-operatório e pós-operatório, é importante avaliar se as consequências dos eventos hemorrágicos são mais graves do que o risco de um evento tromboembólico que pode ocorrer se esta medicação for suspensa.
A varfarina é uma das medicações mais utilizadas para o tratamento e prevenção de tromboembolismo. Contudo, tem as suas limitações, tais como o reduzido intervalo terapêutico, elevadas interações alimentares e medicamentosas e a necessidade de monitorização frequente do efeito anticoagulante, assim como ajuste da dose. Para fazer face a estas limitações, surgiram então os novos fármacos, com um nível de anticoagulação mais previsível, não necessitando de monitorização frequente, e potencialmente mais eficazes e seguros. Também os novos antiagregantes surgiram como alternativa ao clopidogrel: são mais potentes com um início de ação mais rápido, absorção mais previsível e eficácia melhorada. Atualmente, o seu uso está limitado a pacientes com síndrome coronário agudo e stents coronários e cada um pode ser prescrito em combinação com a aspirina.
Devido a estas vantagens, o número de pacientes que aparece no consultório dentário a tomar esta medicação está cada vez mais a aumentar.
Antes de se realizar um procedimento dentário a um paciente medicado com anticoagulantes e antiagregantes, o risco hemorrágico deve ser avaliado, tanto peri-operatório como pós-operatório. Segundo o Scottish Dental Clinical Effectiveness Programme (2015), últimas guidelines europeias disponíveis relativamente a esta terapêutica, podemos categorizar os procedimentos dentários quanto ao risco hemorrágico como demonstrado na tabela abaixo. Embora a complicação do risco hemorrágico associado a procedimentos dentários para estes pacientes deva ser levada de forma séria, deve-se também ter em conta que a evidência existente sugere que os eventos hemorrágicos adversos sérios são raros.
Tabela 1 – Risco hemorrágico de procedimentos dentários, de acordo com o Scottish Dental Effectiveness Programme
Certas condições médicas, incluindo insuficiência hepática, renal e medular, estão associadas a um aumento do risco hemorrágico, devido aos seus efeitos quer na coagulação, quer na função plaquetária, e devem ser tidas em conta aquando do planeamento dos procedimentos dentários. Apesar destes efeitos não serem dependentes da medicação anticoagulante do paciente, é especialmente importante que o médico dentista consiga reconhecer este fator de risco adicional que pode contribuir para complicações hemorrágicas pós-operatórias em pacientes que tomam anticoagulantes e antiagregantes.
Após esta avaliação prévia, seguem-se então algumas recomendações chave para os diferentes fármacos, recomendações estas baseadas na evidência disponível e na extensa experiência clínica documentada.
Tratar pacientes que fazem terapêutica com varfarina ou outros antagonistas da vitamina K
A recomendação chave para pacientes que tomam varfarina ou outros antagonistas de vitamina K, com um INR (razão normalizada internacional) inferior a 4, é tratar o paciente sem interromper a medicação anticoagulante. É uma forte recomendação devido ao potencial risco de um evento tromboembólico caso a terapêutica com a varfarina seja interrompida. Para um procedimento dentário que seja provável causar hemorragia, com baixo ou alto risco de complicações hemorrágicas, deve-se garantir que o INR foi avaliado, idealmente não mais de 24 horas antes do procedimento: se o INR for 4 ou mais, informar o médico assistente e adiar o tratamento até que o INR reduza; se for inferior a 4, tratar o paciente normalmente sem interromper o anticoagulante.
Tratar pacientes que fazem terapêutica com NOACs
Também nestes casos o INR não é adequado para avaliar o nível de coagulação dos pacientes que tomam dabigatrano, apixabano ou rivaroxabano. Os efeitos do dabigatrano podem ser avaliados através do TTP (tempo de tromboplastina) e, da mesma forma, o TP (tempo de protrombina) pode dar uma avaliação do nível de coagulação do rivaroxabano. Como estes fármacos conferem um nível de anticoagulação mais previsível, a sua monitorização é considerada menos importante do que para a varfarina e não costuma ser feito frequentemente.
Comparativamente à varfarina, os NOAC’s têm um início de ação mais rápido (2-4 horas) e têm uma semi-vida relativamente curta. Devido a estas características farmacocinéticas, é possível modificar o estado de coagulação de um paciente rapidamente, minimizando o período onde a atividade de anticoagulação é subótima. Assim, a recomendação para pacientes que tomam NOAC’s e requerem procedimentos dentários de baixo risco hemorrágico é tratar sem interromper a medicação. Para um procedimento com alto risco hemorrágico, o aconselhado é não tomar o medicamento na manhã do tratamento. Para os pacientes que tomam Edoxabano e rivaroxabano (normalmente tomados 1 por dia), podem voltar a tomar na manhã seguinte; para os que tomam apixabano e dabigatrano (normalmente 2 vezes por dia), devem tomar a dose da noite desde que seja pelo menos 4 horas após atingir a hemostase.
Tratar pacientes que fazem terapêutica com antiagregantes
Pacientes que tomam antiagregantes têm tendência para ter tempos de hemorragia prolongados, apesar de passado pouco tempo formarem um coágulo estável na zona a cicatrizar. Não existe um teste equivalente ao INR para medir o efeito do antiagregante, portanto o principal fator a ter em conta é o porquê de o paciente estar a fazer aquela terapêutica. Por exemplo, pacientes com stents coronários são habitualmente medicados com dois antiagregantes durante pelo menos 12 meses. É extremamente importante que este tratamento não seja interrompido prematuramente ou sem falar com o médico cardiologista pelo risco de eventos cardíacos adversos.
Assim, a recomendação chave para pacientes que tomem quer um antiagregante apenas quer uma combinação, é de não interromper a medicação. Desta forma, para tratamentos dentários que têm probabilidade de causar hemorragia, com baixo ou alto risco de complicações hemorrágicas, deve-se tratar o paciente de forma normal, sem interromper a medicação e ter em conta que a hemorragia pode ser prolongada (mais de 1 hora). Para os pacientes que têm uma combinação de aspirina/clopidogrel com varfarina, e cujos procedimentos dentários a realizar têm risco de causar hemorragia, deve-se falar com o médico assistente para avaliar o risco.
Como devem os médicos dentistas então proceder?
As publicações relacionadas com o controlo dos pacientes que tomam NOAC’s no consultório dentário ainda são limitadas. No entanto, sabe-se que o risco de ter uma complicação hemorrágica grave é muito baixo. Num estudo retrospetivo realizado em 2021, concluiu-se que as complicações hemorrágicas em pacientes que fazem terapêutica com anticoagulantes e/ou antiagregantes após procedimentos dentários cirúrgicos foram baixas, registando maior incidência em pacientes tratados com NOAC’s (o que sustenta as recomendações europeias de 2015 apresentadas acima), seguidos por aqueles tratados com anticoagulantes e sem complicações em pacientes a fazer terapia antiagregante. De facto, outra revisão sistemática de 2019 também não encontrou diferenças entre a hemorragia pós-operatória em pacientes que pararam a medicação e pacientes que continuaram, portanto, a questão mantém-se: parar ou não parar os NOAC’s antes de procedimentos evasivos? Continua a não haver consenso quanto ao protocolo a seguir em pacientes com terapêutica de NOAC’s e que necessitam de cirurgia oral. No entanto, todos os autores concordam que é necessário individualizar cada caso avaliando a dificuldade do procedimento, o risco de hemorragia, o risco de embolia e a função renal do paciente. À luz da falta de mais estudos, com amostras maiores e metodologias padronizadas, os médicos dentistas podem com as recomendações europeias mencionadas acima efetuar a intervenção com margem de segurança e evitar causar acidentes tromboembólicos por suspender a medicação quando não é necessário ou mais tempo do que o necessário. É preciso também, juntamente com o Médico Especialista, educar os pacientes que vêm com os hábitos antigos e que acreditam que devem suspender a medicação 2 a 3 dias antes de ir ao dentista, e que muitas vezes aparecem na consulta já com a suspensão feita sem indicação de nenhum dos médicos.
Sofia Pinto Ribeiro
Médica Dentista
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