Na osteoporose, a duração da terapêutica «deve ser ajustada em função da idade da mulher, tipo de tratamento e risco de fratura». Na perspetiva da ginecologista Ana Rosa Costa, do Centro Hospitalar Universitário de S. João, «o futuro passa por tratamentos “sequenciais” para manter o tratamento a longo prazo».
HealthNews (HN) – A prevalência da osteoporose é muito superior nas mulheres. Quais são as razões que estão na base desta evidência amplamente comprovada?
Ana Rosa Costa (ARS) – A razão para a maior prevalência de osteoporose nas mulheres é a menopausa com consequente hipoestrogenismo. Os estrogénios são importantes para o metabolismo ósseo e com a sua diminuição após a menopausa aumenta a reabsorção óssea. A prevalência de osteoporose aumenta com a idade e particularmente nos primeiros anos após a menopausa há uma perda acelerada de massa óssea.
HN – Na sua perspetiva, todas as mulheres pós-menopáusicas devem ser avaliadas nesta fase da sua vida?
ARS – Sim, é importante rastrear e tratar as mulheres com risco de fratura. A osteoporose e fraturas acarretam custos elevados para a sociedade e têm impacto negativo na qualidade de vida das mulheres e das suas famílias, pela morbilidade com declínio funcional e dependência de terceiros, dor crónica e mortalidade aumentada com consequências graves a longo prazo, constituindo uma grande preocupação de saúde pública.
HN – Qual é o papel dos ginecologistas na prevenção desta patologia tão prevalente?
ARS – O ginecologista é frequentemente o médico a que a mulher recorre na peri-menopausa e esta constitui uma ótima oportunidade para rastreio, diagnóstico e instituição de terapêutica para prevenção da osteoporose e fraturas. A osteoporose é assintomática e as mulheres afetadas desconhecem a doença até sofrerem uma fratura por fragilidade. A capacidade de avaliar o risco de fratura é crucial para identificar as mulheres que terão indicação para intervenções terapêuticas e a consulta de ginecologia constitui também uma oportunidade para a educação/aconselhamento sobre estilos de vida estimulando a atividade física.
HN – Quais são os passos que o ginecologista deve seguir em termos de avaliação de um eventual risco de desenvolvimento de osteoporose em mulheres pós-menopáusicas?
ARS – Foram identificados muitos fatores de risco nas últimas duas décadas que contribuem para o risco de fratura, pelo menos parcialmente, independentemente da DMO. Estes incluem idade, uma fratura anterior, história familiar de fratura e fatores de risco de estilo de vida, como sedentarismo e tabagismo.
A histórica clínica deve ser direcionada no sentido de identificar esses fatores de risco familiares (fraturas de fragilidade) e pessoais (diabetes, insuficiência renal crónica, falência ovárica prematura ou menopausa precoce…), avaliação do estilo de vida, risco de quedas, hábitos alimentares e consumo de álcool e tabaco, peso e IMC da mulher. O algoritmo FRAX validado para a população portuguesa inclui alguns destes fatores e ajuda-nos a calcular o risco de fratura major a 10 anos
HN – Através do algoritmo FRAX é possível avaliar o risco de uma mulher desenvolver osteoporose num espaço de 10 anos e se necessita de tratamento farmacológico?
ARS – Sim, a introdução do algoritmo FRAX (atualmente disponível em 73 países e cobrindo cerca de 80% da população mundial) facilitou a avaliação inicial do risco de fratura osteoporótica major (anca, vertebral, rádio ou úmero …), integrando a influência de oito fatores de risco bem validados: fratura por fragilidade anterior, fratura do fémur dos pais, tabagismo, corticoterapia sistémica, ingestão excessiva de álcool, IMC, artrite reumatóide e outras causas de osteoporose secundária. Estes, além da idade e sexo, contribuem para uma estimativa de risco de fratura aos10 anos independentemente da DMO (a DMO do colo do fémur é opcional).
HN – Contudo, o FRAX também tem algumas limitações. Na sua perspetiva, quais são as mais relevantes?
ARS – Os fatores de risco incluídos no FRAX foram escolhidos cuidadosamente para diminuir a complexidade, facilitar o preenchimento e incluir apenas contribuintes independentes e bem estabelecidos para o risco de fratura. Além disso, era importante que os fatores utilizados identificassem um risco passível de intervenção mas não tem em consideração, por exemplo, o tempo de exposição a corticoides (risco de fratura aumenta com o tempo mas o FRAX apenas permite uma resposta sim/não). Também o número de fraturas anteriores e o nivel consumo de álcool são importantes. Outro elemento em falta é a DMO da coluna lombar (que é frequentemente recomendada nas guidelines de tratamento) e a ausência de propriedades estruturais do osso. A razão pela qual estes fatores não foram considerados relaciona-se com a falta de dados internacionais que permitiriam a validação da sua inclusão, incluindo a sua interação com outros fatores de risco do FRAX. Foram propostos ajustes aritméticos para tentar colmatar algumas dessas limitações, e que incluem ajuste para exposição alta, moderada e baixa aos corticoides, dados simultâneos sobre DMO da coluna lombar, informações sobre o score ósseo trabecular, comprimento do fémur, história de quedas, diabetes tipo 2, existência de fratura anterior recente.
HN – Em que situações está indicada a realização de Densiometria Óssea (DEXA)?
ARS – Geralmente, não é recomendado a realização de DEXA para avaliação da DMO basal em todas as mulheres com menopausa recente, mas o uso de uma das ferramentas de triagem sensíveis como o FRAX, permitem identificar melhor as candidatas para DEXA. Não há necessidade de realizar DEXA com valores inferiores a 7% para fraturas major e a 2% para a fratura da anca (medidas preventivas gerais), nem para valores superiores a 11% para fraturas major ou 3% para fratura da anca (deve ser instituído tratamento farmacológico).
No caso de valores intermédios, a realização de DEXA está indicada para seleção de doentes que necessitam de tratamento e também após instituição de terapêutica para avaliar a resposta ao tratamento (DMO por DEXA na coluna e no fémur recomendada a cada 1 a 3 anos e com desonumab após 5 a 10 anos).
A principal dificuldade para a avaliação do risco de fratura com T score <2,5 da DEXA é que, embora esse limiar tenha alta especificidade, tem baixa sensibilidade, de modo que a maioria das fraturas por fragilidade ocorre em indivíduos com valores de DMO acima do limiar de osteoporose.
HN – Em relação às terapêuticas, na sua opinião quais foram os desenvolvimentos mais importantes?
ARS – Existem várias terapêuticas disponíveis para prevenção e tratamento da osteoporose pós-menopausa. Para além dos fármacos anti-reabsortivos como a terapêutica hormonal e os bifosfonatos (posologia semanal, mensal ou anual), temos atualmente disponível um anticorpo monoclonal inibidor do RANKL bianual (denosumab) e mais recentemente agentes anabólicos indicados em mulheres com risco de fratura muito alto que devem ser consideradas para tratamento sequencial, ou seja, um tratamento iniciado com um agente anabólico, seguido de um agente antirreabsortivo.
O mais importante para mim foi o desenvolvimento de orientações baseadas em algoritmos como o FRAX, com ou sem DEXA, que veio ajudar na escolha dos tratamentos mais adequados a cada caso individual com possibilidade de tratamento de forma sequencial. Assim, com a identificação adequada de mulheres de alto ou muito alto risco e com intervenção farmacológica adequada, uma proporção substancial de fraturas por fragilidade poderá ser evitada.
HN – A duração da terapêutica deve ser ajustada em função de que parâmetros?
ARS – A duração da terapêutica deve ser ajustada em função da idade da mulher, tipo de tratamento e risco de fratura. O futuro passa por tratamentos “sequenciais” para manter o tratamento a longo prazo.
Em relação à terapêutica hormonal (TH) da menopausa, esta pode ser iniciada para a prevenção primária e tratamento da osteoporose em mulheres saudáveis pós-menopausa com sintomas vasomotores com idade inferior a 60 anos e menos de 10 anos após a menopausa, devendo ser usada a dose eficaz mais baixa. A determinação da duração do tratamento depende da idade da menopausa, e avaliação periódica do risco, não havendo evidência para recomendar um tempo limite para descontinuação se não houver nenhuma contraindicação de novo. O facto de o efeito protetor ósseo da TH diminuir após a sua descontinuação reforça a necessidade da continuação terapêutica. Medicamentos anti- reabsortivos alternativos (bifosfonatos) devem ser considerados após a interrupção da TH para manter a massa e a qualidade óssea. Estes pelos possíveis efeitos adversos com tratamentos de longa duração têm indicação para suspensão ao fim de três (ev) ou cinco anos (oral).
Nas mulheres com osteoporose em tratamento com denosumab, reavaliar o risco de fratura após cinco a 10. Após a reavaliação, as mulheres que ainda são de alto risco devem continuar o tratamento com denosumab ou tratamentos alternativos.
O tratamento com teriparatida deve ser usado nos casos de osteoporose com fraturas vertebrais graves ou fraturas múltiplas até dois anos.
Raloxifeno ou bazedoxifeno devem ser usados para reduzir o risco de fraturas vertebrais em mulheres com baixo risco de trombose venosa profunda e para as quais os bifosfonatos ou denosumab não são recomendados e também em mulheres de alto risco para cancro de mama, sem limite de uso.
HN – Regra geral e relativamente aos bifosfonatos, em que circunstâncias deve ocorrer a pausa terapêutica e durante quanto tempo?
ARS – O conceito de pausa terapêutica apenas se aplica aos bisfosfonatos, que embora sejam seguros e bem tolerados, poderão ter efeitos secundários com os tratamentos de longa duração estando recomendada uma pausa ao fim de cinco anos de terapêutica oral e, ao fim de três anos de terapêutica endovenosa desde que tenham cumprido a medicação durante o período de tempo estabelecido;apresentem um T-score >-2,5;e não terem apresentado fraturas. Doentes que não tenham cumprido com estes critérios, podem continuar com a terapêutica por mais tempo, mesmo que ultrapassem os 5 anos recomendados. Há que avaliar sempre o risco/benefício para o doente.
Se cumprirem com os critérios apresentados acima, podem e devem fazer a pausa terapêutica/’drug holyday’ por um período de 2/3 anos.
HN– Quando deve ser reiniciado o tratamento?ARS – Deve ser feita uma avaliação periódica, com FRAX/DEXA ao fim de dois a três anos após parar o tratamento com bifosfonatos para avaliar a necessidade de reiniciar. No caso de ocorrência de fratura, obriga de imediato a retomar a terapêutica com estes ou outros fármacos.
0 Comments