A inflação atingiu valores, até há pouco tempo inimagináveis, de 8% em maio e 8,7% em junho. A comissão europeia, anunciou ontem o valor de 6,8% como previsão da inflação para Portugal este ano.
Esta enorme subida, e com poucos precedentes no passado recente, do custo de vida, produz severos impactos em várias dimensões da vida das pessoas. Menos falado, mas igualmente importante, também produz impactos negativos na saúde das comunidades, fazendo com que a necessidade de uma intervenção pública para mitigar este efeito negativo, e reduzindo as desigualdades em saúde, ganhe uma relevância extra.
Já em maio, o Royal College de medicina do Reino Unido, publicou um estudo onde revelava que 55% dos cidadãos reportavam um agravamento do seu estado de saúde global, como consequência do aumento do custo de vida. Quando questionados em que medida o aumento do custo de vida influenciava negativamente a sua saúde, a maioria respondeu que era devido ao aumento do preço da energia para aquecer a casa, do custo da alimentação, e por fim, dos transportes.
Estas três explicações são perfeitamente transponíveis para a nossa realidade. Casas com pouco isolamento térmico, são bastante vulneráveis ao frio do inverno e calor do verão. Sabemos da forte evidência que fenómenos climatéricos extremos têm na morbilidade e mortalidade. A subida do preço da alimentação irá, sem dúvida, provocar constrangimentos em muitas famílias. Por fim, o preço dos transportes, refletido no enorme aumento que o preço dos combustíveis sofreu nas últimas semanas, obrigou as famílias a despender uma maior fatia do seu rendimento para poder se deslocar para o trabalho, retirando-o a outras áreas, como o lazer e cultura, que beneficia a saúde mental dos indivíduos.
Este resultado torna-se mais chocante, quando sabemos que metade dos indivíduos que responderam que o seu estado de saúde se agravou com a subida dos preços, viu a sua queixa validada por um profissional de saúde. Não se trata apenas de uma medida subjetiva, falamos de uma avaliação externa, mais objetiva, que vai ao encontro daquilo que é referido pelos utentes.
Não temos estudos semelhantes efetuados em Portugal. Mas possuímos alguns dados que nos devem preocupar. Somos o 4º país da OCDE cujas famílias mais despendem do seu rendimento para obter cuidados de saúde. Dos países que mais pedem às famílias para financiar a saúde. Cujo número de pessoas que vão à falência em resultado do pagamento de cuidados de saúde é inaceitavelmente elevado. Conjugado com as dinâmicas próprias da construção de preços e inflação no setor da saúde, que é sempre mais elevado que na economia como um todo, leva-nos a concluir que o impacto da subida do custo de vida na saúde será bastante negativo.
Como sempre, terá efeitos assimétricos. A OMS relata que 18,3% das famílias gastam 10% do rendimento disponível em cuidados de saúde. A estatística é mais fina, e conta-nos que 3,3% das famílias gastam, pelo menos, 25% do seu rendimento disponível para aceder a cuidados de saúde. Para estas pessoas, a inflação é um desastre à espera de ocorrer.
A questão alimentar ganha um nível extra de preocupação, numa visão de médio prazo. Se nada for feito, estamos a incentivar as famílias a tomar más escolhas alimentares, que agravarão o seu fardo de doença, obrigando-as a assumir mais custos com os cuidados de saúde que daí resultarão. Encorajar uma dieta pouca saudável é imoral, e acarreta pesados custos para a comunidade.
Uma das funções básicas dos governos, passa por garantir que que as pessoas tenham as condições necessárias para uma vida saudável. Há bons argumentos que sustentam uma maior intervenção pública para controlar os preços e o custo de vida, a saúde é mais um deles. Não podemos deixar que os indicadores de saúde variem no sentido inverso dos preços, nem podemos permitir que as desigualdades em saúde aumentem e excluam cidadãos do seu direito à saúde.
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