No artigo “Investigação clínica da iniciativa do investigador em Portugal: Identificação de problemas e propostas para melhoria”, publicado hoje na Acta Médica Portuguesa, um grupo de investigadores e médicos especialistas propõem várias medidas para apoiar os ensaios clínicos da iniciativa do investigador.
Apesar de estarem sujeitos às mesmas normas de exigência, sublinham, estes ensaios clínicos têm habitualmente financiamento e recursos humanos muito inferiores aos da iniciativa da indústria farmacêutica, “o que os coloca em profunda desigualdade e desvantagem”.
Segundo os autores do artigo, entre os quais João Pedro Ferreira da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, Carlos Robalo Cordeiro, da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra e Fausto Pinto, da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, a indústria farmacêutica apenas financia projetos nos quais terá potencial interesse direto.
“Por exemplo, ensaios clínicos que visem reduzir o consumo de medicamentos ou a implantação de dispositivos médicos, ou que comparem estratégias ou intervenções não farmacológicas (prevenção primária e modificação de estilo de vida) dificilmente obterão financiamento, pois podem diminuir o lucro potencial da indústria farmacêutica. Todavia, são obviamente estudos fulcrais para as populações e para os sistemas de saúde”, declaram.
Por isso, defendem, o financiamento público é “absolutamente essencial” na realização de ensaios clínicos independentes da indústria, porque são de “enorme importância” ao usarem uma abordagem centrada nos doentes sem qualquer objetivo de lucro.
Mas, apesar da sua elevada relevância, enfrentam diversas dificuldades devido à falta de recursos, às restrições financeiras, à falta de infraestruturas de suporte locais, à inadequada formação em investigação clínica e translacional e à complexa e estrita regulamentação.
“Igualmente importantes e sujeitos ao mesmo tipo de bloqueios estão os estudos multicêntricos epidemiológicos e de ‘coorte’ [a única forma de obter uma caracterização representativa da população portuguesa] e os ensaios clínicos pragmáticos que visam a otimização de estratégias ou de recursos que já podem estar a ser usados na rotina clínica”, acrescentam.
Para contornar os problemas, os investigadores propõem um modelo de financiamento integrado com abertura de um concurso anual dedicado apenas à investigação clínica, favorecendo projetos multicêntricos da iniciativa do investigador que visem mudar e melhorar a prática clínica.
Sugerem que a Agência de Investigação Clínica e Inovação Biomédica em conjunto com a Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT)/Ministério da Saúde anunciem uma ‘call’ anual dedicada à investigação clínica com um orçamento próprio, idealmente entre 20 a 40.000.000 euros por ano.
O número de projetos a financiar deveria ser limitado entre cinco a 10 por ano, adiantam, defendendo que a ‘call’ de Oncologia deveria ser separada das restantes áreas da Medicina, atribuindo-se, por exemplo, 10% da verba alocada a projetos da área oncológica e os restantes 90% às outras áreas.
“Esta separação é importante, pois a Oncologia é, de longe, a área da Medicina com maior investimento em ensaios clínicos e se não for colocado um limite de verba alocada à Oncologia, a ‘call’ arrisca-se a ser ‘onco-cêntrica’ e a não dar oportunidade a outras áreas da Medicina”, alertam.
Os vencedores de cada projeto poderiam selecionar elementos cujo salário seria parcialmente pago com verbas próprias, a quem seria atribuída redução correspondente do tempo de trabalho hospitalar.
A FCT financia anualmente projetos de investigação em todas as áreas científicas, limitando o valor máximo a 250.000 euros por projeto, lembram os investigadores, elucidando que, em Portugal, por cada um euro investido em ensaios clínicos se obtém em média um retorno de 1,99 euros, praticamente 200%.
LUSA/HN
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