Falta de saneamento dificulta luta contra a cólera em bairros moçambicanos

26 de Março 2023

Uma vala de esgoto corre a céu aberto ao lado de uma das ruas de Pemba, capital provincial de Cabo Delgado, norte de Moçambique, onde foi declarado um surto de cólera há cerca de uma semana.

Esta é a mais recente província de Moçambique a ser afetada pela doença que surge sazonalmente, associada à época das chuvas, e que apesar de ser tratável ainda provoca mortes todos os anos, através de vómitos e diarreias que levam a uma súbita desidratação.

A poucos metros da vala nauseabunda, vendedoras fazem negócio informal, com bancas improvisadas à beira da estrada, algumas de venda de comida, um risco para a saúde pública.

Está à vista que “prevalece o mau saneamento na maior parte dos bairros afetados pela doença”, explicou à Lusa o médico chefe provincial, Edson Fernando.

Nas casas precárias autoconstruídas não há instalações sanitárias e as latrinas são insuficientes, como no bairro de Paquite, o que fez com que os casos de cólera disparassem.

“A eclosão da cólera em Paquite deve-se ao fecalismo a céu aberto”, levando a que o bairro seja responsável por cerca de metade dos 39 casos de cólera detetados oficialmente na cidade desde que o surto foi declarado no dia 16 de março, referiu Edson Fernando.

Há uma campanha de sensibilização porta-a-porta “a explicar boas práticas de higiene”, a importância de construir latrinas e agilizar a recolha de lixo.

A doença é propagada através de água e alimentos contaminados com o esgoto e o risco aumenta sempre na época chuvosa (que em Moçambique vai de outubro a abril) devido às inundações e à destruição de infraestruturas.

O surto de cólera que afeta o país desde setembro de 2022 atinge oito províncias e já matou 75 pessoas, num total de 10.697 casos acumulados, segundo números do Ministério da Saúde.

Em Cabo Delgado, o distrito da capital provincial é o único afetado e no centro de tratamento de cólera de Pemba, apesar de continuarem a chegar novos casos, não há registo de mortes.

A sobrinha e um irmão de Chauri Momade já passaram por lá e este morador do Paquite espera que mais ninguém da família lá vá parar, porque a falta de condições de salubridade no bairro é gritante: “As crianças não têm onde brincar, andam junto do lixo, pegam em coisas podres” misturadas com dejetos.

Ao longe, algumas delas aproveitam para brincar dentro de um charco, onde até lavam a cara, sem que ninguém as impeça.

Alima Chomar, 35 anos, nasceu e cresceu no bairro de Paquite e hoje está no centro de tratamento a acompanhar a mãe de 67 anos, internada desde dia 18.

Após três dias de diarreias e vómitos, foi-lhe diagnosticada cólera.

Moram numa casa sem latrina, com outras dez pessoas, e à falta de saneamento, recorrem à praia.

“Eu sei que estamos a contribuir para a eclosão da cólera, porque na minha casa não tem latrina, mas a culpa é do meu padrasto, que não a quer fazer”, lamenta Alima, em kimwani, língua local.

“O município também não colabora e o lixo fica duas semanas ou mais sem ser removido”, num bairro onde moram muitos pescadores e que é um dos mais antigos de Pemba.

Ao lado, Alide Momade, 29 anos, está no centro porque acompanhou outros dois doentes e diz que, em casa, faz tudo o que pode para seguir as recomendações de higiene, mas o lixo leva tempo a ser recolhido.

Na rua, passa uma unidade móvel com avisos à população.

O carro circula pelos bairros para desaconselhar a venda e consumo de produtos alimentares preparados em locais impróprios, mais uma peça da estratégia de sensibilização, num cenário recorrente.

A falta de saneamento prevalece há vários anos em aglomerados populacionais moçambicanos, pressionados por um crescimento demográfico imparável – situação agravada em Pemba porque a cidade acolhe muitos dos deslocados do conflito armado de Cabo Delgado.

LUSA/HN

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