Ana Paula Nunes Professora adjunta no ensino superior; Doutoramento em Bioética

A erradicação do SARS-CoV-2

12/28/2023

São muito poucos os especialistas que acreditam que o SARS-CoV-2 pode ser erradicado. De acordo com alguns autores (Wilson, 2021), foram identificados critérios que avaliam se um vírus que afeta a saúde de humanos e animais, é potencialmente erradicável, e para que essa situação aconteça, devem ser tidos em linha de conta alguns fatores: 1) deve ser criada uma vacina que apresente condições de segurança e eficácia contra o agente infecioso; 2) se uma pessoa contrair a doença ou for vacinada, é fundamental que a imunidade adquirida seja vitalícia; 3) ausência de portadores durante um período longo de tempo; 4) situação clinica com sinais e sintomas facilmente identificáveis; 5) fácil diagnóstico; 6) ausência de reservatório animal; e, 7) estabilidade genómica do agente infecioso. Estando reunidos todos estes fatores ao mesmo tempo, é possível erradicar uma doença como aconteceu com a varíola. 

A varíola, a única doença até hoje erradicada, não infeta humanos porque apresentava todos os critérios mencionados: 1) teve uma vacina a partir de 1796 pelas mãos do médico inglês Edward Jenner, que testou a sua eficácia; 2) com o desenvolvimento da ciência, esta vacina tornou-se segura e eficaz, e graças a vacinações em massa, foi possível a OMS declarar em 1980 a sua erradicação; 3) a varíola provoca uma imunidade vitalícia, pelo desenvolvimento da imunidade celular; 4) a varíola não tem portadores a longo prazo que possam ter no seu DNA o vírus adormecido e que possa manifestar-se anos mais tarde; 5) a varíola era uma doença fácil de identificar e por isso fácil de diagnosticar, porque bastava olhar para a pele das pessoas infetadas para se verificar a presença de erupções cutâneas muito caraterísticas, que ao secarem se soltavam da pele deixando cicatrizes; 6) não existem reservatórios animais para a varíola, só humanos, logo, se vacinarmos todos os humanos a doença deixa de existir; e, 7) sendo um vírus de DNA de cadeia simples, é mais estável, e por esse motivo foi possível criar uma vacina tão eficaz e segura.

Em relação ao vírus SARS-CoV-2, já se sabe muita coisa, mas o tempo tem sido importante para verificar, que mais importante do que se sabe, é o que ainda não se sabe, porque o SARS-CoV-2 não está em condições de nos dar a segurança da sua erradicação. Relativamente aos critérios anteriormente apresentados, podemos dizer em relação ao SARS-CoV-2 o seguinte: 1) tem algumas vacinas moderadamente eficazes, que nos protegem contra as formas graves da doenças, mas a sua distribuição é desigual, significando que haverá sempre um número muito elevado de pessoas não vacinadas e por isso suscetíveis; 2) não se sabe se tem imunidade vitalícia e tudo indica que não terá; 3) não se sabe se terá algum dia portadores a longo prazo; 4) não é fácil de identificar, porque os sinais e sintomas confundem-se com outras patologia, sendo necessário uma confirmação laboratorial; 5) por este motivo também não é fácil de diagnosticar; 6) tem um reservatório animal; e, 7) ainda não tem estabilidade genómica, uma vez que está a evoluir e a produzir variantes cada vez mais transmissíveis, como temos vindo a verificar na evolução da variante Alfa até à diversidade de linhagens da Ómicron. Por todos estes motivos, pensar no presente na erradicação do SARS-CoV-2, pode ser uma perspetiva otimista, mas pouco realista, porque mais do que uma hipótese biológica, temos que equacionar a impossibilidade política ao nível internacional, pelo muito que ainda tem que ser feito. Contudo, podemos sempre aspirar eliminá-lo. Mas para tal, temos que ter uma cooperação internacional sistemática e coordenada, adotar medidas eficazes e exequíveis, vacinar e revacinar o maior número possível de pessoas em todo o mundo, desenvolver a intelligence epidemiológica e colaborar individualmente com as diretrizes das autoridades sanitárias, adotando comportamentos seguros – promover uma boa higiene das mãos, manter e reforçar a etiqueta respiratória de tossir ou espirrar para o braço, fomentar o arejamento dos espaços fechados e usar máscara em caso de infeção.

Referências
Elslande, J. et al. (2021). Symptomatic Severe Acute Respiratory Syndrome Coronavirus 2 (SARS-CoV-2) Reinfection by a Phylogenetically Distinct Strain. Clinical Infectious Diseases, Volume 73, Issue 2, 15 July 2021, Pages 354–356, 05 September 2020.  https://academic.oup.com/cid/article/73/2/354/5901661Wilson, F. (2021). A erradicação da covid-19 não passa de um sonho? Medscape. 23 de agosto. https://portugues.medscape.com/verartigo/6506690?src=WNL_ptmdpls_210901_mscpedit_psych&uac=424986AY&impID=3608132&faf=1#vp_3

 

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