Sílvia Correia, pneumologista especialista em Medicina do Sono no Hospital Trofa Saúde Boa Nova, Gaia e Braga; investigadora na ULS Matosinhos; Faculdade de Medicina da Universidade do Porto

Apneia do sono e AVC – “Um monstro adormecido”

03/08/2024

A Apneia do sono é o distúrbio do sono mais prevalente caracterizando-se por pausas respiratórias durante o sono, incluindo a Apneia Obstrutiva do Sono, associada a aumento da resistência das vias aéreas superiores, e à Apneia Central do sono que surge quando o drive respiratório falha.

A incidência de Apneia do sono nos doentes com Acidente Vascular Cerebral (AVC) é alta, atingindo 61 a75% desses doentes, incluindo a Apneia Central do sono e a Apneia Obstrutiva do Sono. Estes números que relacionam a Apneia do Sono no doente com AVC explicam a expressão de “monstro adormecido” (a Sleeping beast).

Os doentes com Apneia do sono e AVC têm maior disfunção cognitiva, mais dias de internamento, maior probabilidade de recorrência do AVC e maior mortalidade. Tanto a Associação Americana de Cardiologia como a Associação Americana de AVC recomendam que o diagnóstico e o tratamento da Apneia Obstrutiva do Sono possam estar incluídos na abordagem do doente com AVC.

Nestes doentes, a polissonografia em laboratório ou a polissonografia com EEG no domicílio são o gold standart para o diagnóstico. Apesar de serem os exames ideais, nem todos os centros podem fazer a polissonografia completa. No SLEAP SMART trial, o estudo cardiorespiratório do sono realizado em doentes com AVC mostrou ser uma alternativa razoável à polissonografia completa. Contudo deve ser sempre realizada posteriormente uma polissonografia completa nos doentes com resultado negativo ou borderline de AS no estudo cardiorespiratório do sono, assim como nos doentes com outras comorbilidades, como a Insuficiência Cardíaca, Fibrilhação Auricular ou a Doença Pulmonar Obstrutiva crónica, entre outras.

Na prática clínica, devido aos custos associados à realização de uma polissonografia e à falta de recursos humanos para se fazer em tempo útil, o que constatamos é que a prevalência de Apneia do Sono no doente com AVC encontra-se altamente subvalorizada. Na verdade, sabemos que apenas 5% dos doentes com AVC fazem um estudo do sono.

Assim, ainda temos um caminho a percorrer no que diz respeito à Apneia do Sono nos doentes com AVC. É importante rastrear estes doentes mais precocemente, mesmo que seja com um estudo cardiorrespiratório num primeiro momento. O diagnóstico e tratamento precoce da Apneia do Sono nos doentes com AVC pode, efetivamente, evitar novos eventos cardiovasculares, como, por exemplo, um segundo AVC.

 

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