“Saúde Renal para Todos” debate epidemia silenciosa e que tem sido esquecida

14 de Março 2024

Esta tarde, a Sociedade Portuguesa de Nefrologia e a ANADIAL assinalam o Dia Mundial do Rim com conferência no Centro Cultural de Belém, em Lisboa.

Promover a equidade do acesso aos melhores cuidados para a doença renal crónica é uma prioridade mundial, sobretudo porque esta doença afeta cerca de 850 milhões de pessoas em todo o mundo, assumindo-se como a oitava principal causa de morte, podendo, em 2040, ser a quinta principal causa de anos de vida perdidos. Para Edgar Almeida, “a equidade começa pelo reconhecimento precoce da doença renal, o que, infelizmente, está muito aquém do desejável, mesmo na comunidade dos profissionais de saúde”. Neste contexto, “a Sociedade Portuguesa de Nefrologia apostou na melhoria da identificação precoce da doença renal, nomeadamente pela elaboração de uma Guia de Orientação Diagnóstica e de Referenciação, em colaboração com a Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar, que permitirá um início precoce de medidas que poderão modificar o prognóstico das pessoas com doença renal”, explica o presidente da Sociedade Portuguesa de Nefrologia.

Na perspetiva de Anabela Rodrigues, “a doença renal crónica é uma epidemia silenciosa, um problema de saúde pública que tem sido subestimado”. De acordo com a presidente da Comissão de Implementação e Monitorização da Estratégia Nacional de Promoção da Saúde Renal e Cuidados Integrados na Doença Renal Crónica, “a doença renal crónica beneficia de um regime de 100% de acessibilidade a tratamentos por hemodiálise e bons programas nacionais de transplantação renal, no entanto, a sua taxa de mortalidade ajustada para a idade é superior à que se tem conseguido noutros grupos de doença que têm acolhido investimento, como é o caso da diabetes ou do cancro”.

A nefrologista considera que “a investigação no setor da doença renal crónica não tem sido priorizada nos programas nacionais, mas é fundamental para que surjam terapêuticas inovadoras”.

Face a este cenário, Anabela Rodrigues defende que a prestação de serviços neste setor tem de se ajustar à carga epidemiológica e económica, com risco de insustentabilidade. São, por isso, “necessárias medidas que otimizem o diagnóstico nefrológico e atrasem a falência renal, com correção das assimetrias de acesso a um painel de modalidades terapêuticas. A Direção Geral de Saúde acolheu as propostas da Comissão Nacional de Acompanhamento da Dialise, que visaram assegurar mais qualidade e segurança no setor da doença renal cronica”. A especialista reforça ainda que “a Estratégia Nacional de Promoção da Saúde Renal e Cuidados Integrados na Doença Renal Crónica convoca a concertação de todos os agentes do Sistema Nacional de Saúde para a proteção do doente, com melhoria dos modelos assistenciais e investimento estratégico”.

Para Sofia Correia de Barros, presidente da ANADIAL, “a prevalência da doença renal crónica no nosso país é uma evidência de que devemos apostar na prevenção e na literacia para a saúde renal. É exatamente nestas dimensões que a ANADIAL tem trabalhado, nomeadamente na realização de ações de sensibilização nas escolas, campanhas nas redes sociais, e no desenvolvimento de conteúdos específicos para doentes renais crónicos e seus familiares, como é o caso dos livros de testemunhos de vida reais e de receitas adequadas para toda a família”.

A equidade do acesso aos tratamentos também só é possível se houver equidade no acesso ao diagnóstico precoce. Partindo desta preocupação, a Sociedade Portuguesa de Nefrologia e a AstraZeneca desenvolveram um estudo de rastreio populacional com o objetivo de detetar a microalbuminúria em tira-teste de urina, e determinar a prevalência desta alteração (presença de proteínas na urina) na população portuguesa.

De acordo com Ana Carina Ferreira, nefrologista do Hospital de Curry Cabral e membro da equipa de investigação deste estudo, “a doença renal crónica define-se como alteração do débito filtrado glomerular (< 60 ml/min) ou presença de proteínas ou sangue ou outros elementos na urina, com mais de 3 meses de duração”. Assim, “a albuminúria traduz a presença de proteínas na urina. A existir, terá de ser confirmada após 3 meses, e nesse caso deverão ser adotadas estratégicas não farmacológicas e, por vezes, farmacológicas, para evitar a progressão de doença”.

Neste estudo de rastreio, “obtivemos cerca de 5% de tiras teste positivas para a microalbuminúria. Os resultados positivos correlacionaram-se com os fatores de risco tradicionais para a presença de doença renal crónica. Parece-nos importante obter um ratio de albumina creatinina na urina em pessoas em risco de doença renal crónica, para início de medidas preventivas de evolução de doença”, acrescenta a nefrologista.

Portugal continua a ser o país europeu com maior prevalência de doentes sob diálise ou transplante por milhão de habitantes. Segundo Ana Galvão, “do registo 2023 temos mais 2752 novos doentes a iniciar tratamento substitutivo renal (TSFR), uma incidência de mais de 240 pessoas por milhão”. No final de 2023 havia, no total, 21 690 doentes em TSFR, uma prevalência superior a 2000 pessoas por milhão de habitantes.

Ainda assim, explica a coordenadora nacional do Gabinete de Registo da Doença Renal, “a incidência de novos doentes a iniciar diálise diminuiu 1,3% em relação a 2022, ano em que a incidência em diálise também tinha diminuído em relação a 2021. Em 2023 destaca-se que 28,4% dos novos doentes apresentavam mais de 80 anos e que 8,4% dos doentes incidentes optou por tratamento conservador, sem opção por técnica de substituição renal”.

Importa ainda referir a elevada prevalência de diabetes (31%) como causa de doença renal crónica em doentes incidentes em diálise.

PR/HN

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