Nuno Tavares Assistente Hospitalar de Oncologia Médica

Outubro rosa (e de outras cores)

10/05/2020

[xyz-ips snippet=”Excerpto”]

Outubro rosa (e de outras cores)

05/10/2020 | Opinião

Outubro pinta-se de rosa para ser o mês internacional de consciencialização sobre o cancro da mama. O mês foi escolhido nos Estados Unidos da América em 1985 – a cor juntou-se-lhe anos mais tarde.

A campanha tem vindo a ganhar força no panorama internacional com o objectivo de alertar todas as pessoas para a importância social desta doença assim como para as formas de a rastrear, diagnosticar precocemente, tratar e vivenciar.

Em Portugal todos os anos são diagnosticados cerca de 5000 novos casos de cancro da mama, o que representa cerca de 30% de todos os cancros diagnosticados em mulheres. Em 2015, 1683 mulheres morreram com cancro da mama no nosso país.

Consciencializar em Outubro é relembrar que alguns factores de risco para cancro da mama não podem ser controlados pelos seus portadores (a idade, a história familiar e os factores genéticos, o início precoce da menstruação ou a menopausa tardia), mas que existem hábitos e estilos de vida que podem – devem – ser adoptados por forma a minimizar esse risco, a saber: praticar regularmente exercício físico, ter uma dieta equilibrada e saudável, evitar a obesidade, limitar/evitar o consumo de álcool, não fumar, entre outros.

Consciencializar em Outubro é referir que em Portugal, para a população geral, está recomendado o rastreio com mamografia a cada 2 anos para mulheres com idade entre os 50-69 anos. Para idades inferiores aos 50 ou superiores aos 69 anos a decisão de realização de mamografia deve ser individualizada ao risco específico da utente. Sabemos que a realização destes exames de rastreio foi severamente comprometida durante a crise pandémica que atravessamos. Particularmente na região Norte, o rastreio esteve interrompido desde Março por falta de acordo entre a Liga Portuguesa contra o Cancro e a Administração Regional de Saúde local, impedindo que cerca de 100 mil mulheres tivessem realizado o exame de rastreio a que teriam indicação. Apenas no final do mês de Setembro o governo publicou em Diário da República a resolução que permite o retomar deste programa de rastreio. Uma boa medida, a tempo do Outubro rosa, mas muito trabalho há pela frente para compensar o tempo perdido. O Programa Nacional para as Doenças Oncológicas apresentava como meta para o ano de 2020 o aumento das taxas de cobertura dos rastreios oncológicos de base populacional, nomeadamente para 90% no caso do rastreio do cancro da mama – um objectivo que parece difícil de atingir no actual contexto.

Tão ou mais importantes do que os casos por diagnosticar são os casos já diagnosticados a quem devemos pugnar por uma excelente resposta clínica. Tratar o cancro da mama em 2020 é significativamente diferente de trata-lo em 1985. Temos mais e melhores recursos técnicos, mais e melhores fármacos dirigidos, mais e melhores profissionais e temos um elevado volume de doentes, mais exigentes e comprometidos com o seu outcome. Consciencializar em Outubro é sublinhar que estamos mais preocupados que nunca em manter ou melhorar a qualidade de vida dos nossos doentes. É admitir que o caminho é duro mas que o sofrimento (físico ou psicológico) pode não ser constante ou incorrigível.

Consciencializar em Outubro é referir que, mesmo em tempo de pandemia, os serviços em Portugal que tratam doentes oncológicos devem continuar a esforçar-se por oferecer os melhores tratamentos disponíveis, nas melhores condições de segurança possíveis. Portugal é um dos países da Europa cujas entidades reguladores do medicamento mais tempo demoram até atribuir o reembolso de um fármaco inovador desde que esse fármaco é considerado útil e seguro pela Agência Europeia do Medicamento. Consciencializar em Outubro deve ser também pressionar os agentes políticos a tornarem as autorizações para estes medicamentos mais céleres e, perante pareceres negativos, termos acesso a explicações pertinentes e transparentes.

Consciencializar em Outubro é assumir que muitos doentes se curam ou atingem intervalos longos sem doença ou com a sua doença controlada. E que nesses períodos podem voltar às suas vidas profissionais para se realizarem e completarem, devendo encontrar das entidades patronais e do Estado a compreensão para se adaptarem à nova rotina consoante as condições que os necessários tratamentos entretanto realizados lhes impuseram.

Por fim, consciencializar em Outubro deve ser também referir que o cancro da mama não é uma doença exclusiva da mulher. Menos de 1% dos cancros da mama são diagnosticados em homens e frequentemente num estádio mais avançado. Daí a menor probabilidade de cura – pela raridade, pelo menor alerta em relação ao problema, pela inelegibilidade para programas de rastreio, pelo diagnóstico tardio, pela menor representação nos estudos que levam à aprovação dos tratamentos.

Outubro é que rosa e de todas as cores. Porque consciencializamos para alguns mas todos beneficiamos.

 

0 Comments

Submit a Comment

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

ÚLTIMAS

Cerca de 44 mil pessoas pessoas morreram em 2023 vítimas do VIH/sida em Moçambique

“Não queremos dizer que estamos satisfeitos com 44 mil mortes. Esses números preocupam-nos, principalmente os de pessoas que estão a morrer em resultado de não estarem a fazer tratamento e, se estão, não o fazem corretamente”, disse o secretário executivo do Conselho Nacional do Combate à Sida, Francisco Mbofana, em conferência de imprensa, antecipando o dia mundial da luta contra VIH/Sida, que se assinala anualmente em 01 de dezembro.

Ana Escoval: “Boas práticas e inovação lideram transformação do SNS”

Em entrevista exclusiva ao Healthnews, Ana Escoval, da Direção da Associação Portuguesa para o Desenvolvimento Hospitalar, destaca o papel do 10º Congresso Internacional dos Hospitais e do Prémio de Boas Práticas em Saúde na transformação do SNS. O evento promove a partilha de práticas inovadoras, abordando desafios como a gestão de talento, cooperação público-privada e sustentabilidade no setor da saúde.

Fundador da Joaquim Chaves Saúde morre aos 94 anos

O farmacêutico Joaquim Chaves, fundador da Joaquim Chaves Saúde, morreu hoje aos 94 anos, anunciou o grupo, afirmando que foi “referência incontornável na área da saúde” em Portugal.

MAIS LIDAS

Share This