Especialista alerta para a subnotificação dos registos nacionais de doença oncológica

23 de Maio 2024

O pneumologista António Jorge Ferreira pediu esta quinta-feira aos médicos que participem todas as suspeitas de doença oncológica associada ao trabalho para que estas constem dos registos nacionais que atualmente sofrem de subnotificação.

“Se as participações não forem feitas, nunca teremos estatísticas de doença oncológica ocupacional em Portugal. É fundamental sensibilizar toda a comunidade clínica para que, sempre que lida com um doente oncológico, se lembre de perguntar e estratificar os riscos de exposição ocupacional que aqueles trabalhadores estão neste momento a ter ou tiveram”, disse António Jorge Ferreira.

O pneumologista e professor universitário, que é especialista em Medicina do Trabalho, falava aos jornalistas à margem do II Congresso Nacional de Epidemiologia e Registo de Cancro que hoje e sexta-feira decorre no Instituto Português de Oncologia do Porto.

Na sua apresentação, António Jorge Ferreira pediu aos médicos, independentemente da sua especialidade, que façam participação da suspeita de doença profissional ao Departamento de Proteção Contra os Riscos Profissionais.

“Perguntamos muitas vezes qual a alimentação, se fuma ou não, e a profissão. Limitamo-nos a perguntar a profissão. E se o doente até diz ‘sou aposentado’, ficamos por aí. E não pode ser (…). Às vezes também ouvimos que ‘isso é com o médico do trabalho’ e não é. É com todos os médicos”, referiu, dando um exemplo relacionado com a sua especialidade.

“Eu, como pneumologista, se vir que um paciente meu que tem um cancro do pulmão e sei que lidou, no trabalho, com sílica durante grande parte da sua vida, porque não fazer uma participação sobre cancro ocupacional? O trabalhador vai ser visto por uma junta de pneumologistas que vão, ou não, aplicar um nexo de causalidade”.

António Jorge Ferreira, que é professor da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra, onde coordena o Mestrado de Saúde Ocupacional e o curso de pós-graduação em Medicina do Trabalho, mostrou-se preocupado com “a subnotificação de doença profissional oncológica em Portugal”.

“Temos extrapolação de dados para a Europa, mas como as instituições que tratam estatisticamente as doenças profissionais são diferentes das que tratam a estatística de acidentes de trabalho, muitas vezes não temos a perceção global dos dados (…). Haverá mais casos do que aqueles que estão registados”, referiu.

Em Portugal, os acidentes de trabalho são tratados no Gabinete de Estudos e Planeamento do Ministério do Trabalho, enquanto os casos de doença profissional pertencem ao Instituto da Segurança Social.

Citando dados do Eurostat, mas salvaguardando de imediato que acredita que os números oficiais são inferiores à realidade, António Jorge Ferreira disse que entre 2013 e 2021 foram oficialmente reconhecidos 33.712 casos de cancros profissionais na União Europeia.

No topo dos tipos de cancro com neoplasia maligna com origem profissional estão a traqueia, os brônquios e o pulmão.

“Mas reparem neste rodapé ‘dados agregados da União Europeia que não incluem Alemanha, Grécia e Portugal’ e a justificação é ‘porque os dados não estão disponíveis. Isto levanta muitas preocupações’”, disse.

Questionado, à margem, sobre o porquê desta dificuldade, o docente disse que em Portugal “muitos dados estão ao abrigo do segredo estatístico e outros vão sendo pedidos, mas são muito pequenos”.

“Acredito que seja mais. O número de casos que nos dão é muito pequeno”, concluiu.

A Agência Europeia para a Segurança e Saúde no Trabalho identificou 24 fatores de risco nos locais de trabalho que podem conduzir à doença, que incluem produtos químicos industriais, substâncias e misturas geradas por processos, juntamente com fatores de risco físicos.

LUSA/HN

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