Num artigo de opinião publicado no Expresso intitulado “A má moeda tende a expulsar a boa moeda”, Fernando Araújo escreve que se tem assistido, nos últimos tempos, ao “anúncio de ameaças veladas de responsabilização (leia-se demissão) das administrações das unidades de saúde, por listas de espera nas cirurgias ou respostas nos serviços de urgência, ou à culpabilização por problemas que nem são do seu âmbito”.
“Em liderança (e na política) há uma linha clara que separa a exigência de responsabilidades e a atribuição de culpas. Políticos que utilizam o caminho mais simples, crucificando as instituições que tutelam, tendem inexoravelmente a falhar”, alertou o ex-diretor executivo do SNS, que se demitiu do cargo no final de abril.
Sem fazer qualquer referência específica à ministra da Saúde, Fernando Araújo salienta ainda que esses políticos, ao longo desse percurso, “promovem uma cultura destrutiva nas organizações”.
“Políticos que tendem a apontar o dedo aos outros minam a autoridade e a credibilidade e levam a uma falta de cooperação entre as equipas. Provocam também uma erosão na confiança e um ambiente tóxico, não desenvolvendo soluções estruturais, focando-se apenas no acessório, na sua própria imagem”, salienta o médico e professor universitário.
Segundo escreve, as organizações “tendem a criar uma cultura defensiva, a aguardar por determinações da tutela, a centralizar, a aumentar a burocracia, a parar processos, a ter receio, a deixar de ter iniciativa ou autonomia”.
“Ficam assim desencorajadas à assunção de riscos, o que leva a oportunidades perdidas e à estagnação, à ineficiência e à aversão à mudança e à inovação”, refere Fernando Araújo, para quem “quando as coisas correm bem, os bons políticos atribuem o crédito às instituições que tutelam. Quando as coisas correm mal, assumem a responsabilidade”.
“Isto é difícil, bem sei, mas é o preço da liderança”, salienta o antigo diretor executivo do SNS, ao considerar ainda que “engana-se quem pensa que a autoridade provém da força de nomear”.
No seu artigo, Fernando Araújo refere também que “culpabilizar lideranças das instituições de saúde (que de forma corajosa e competente, com limitação de meios e autonomia, defendem o interesse público) através de processos ocultos, com auditorias inventadas ou demissões com pompa, que, de uma forma justiceira populista, julgam e condenam, humilhando os dirigentes, é o caminho certo para a descapitalização da competência”.
“O resultado é desastroso”, alerta o médico, ao considerar que ficam em “causa as instituições, provocando um dano reputacional irreparável à Administração Pública e ao Serviço Nacional de Saúde. Fica-se a pensar se é inexperiência, incompetência ou uma agenda cuidadosamente pensada”, questiona ainda.
“Os bons líderes inspiram e fazem-nos sonhar, motivam-nos a alcançar o nosso melhor. Os maus líderes desconfiam do trabalho e da experiência dos seus dirigentes, tendem a impor-se pelo castigo. Aplicam o princípio do pelourinho. Têm medo da ciência e do conhecimento, da luz”, critica.
A concluir, Fernando Araújo escreve que os “maus líderes anseiam em transformar as organizações da saúde em reinos feudais, onde os súbditos devem aguardar pelas ordens superiores, da Corte”, mas realça que “essas monarquias há muito que falharam”.
Fernando Araújo que apresentou a sua demissão no final de abril, depois de liderar a Direção Executiva do SNS durante mais de 15 meses, alegando que não queria ser um obstáculo ao Governo nas políticas e nas medidas que considerasse necessário implementar.
LUSA/HN
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