As semanas vão passando, neste verão quente, e o caos vai sendo a normalidade dentro do SNS no que diz respeito às maternidades, com pior cenário na região da grande Lisboa. O governo, sabendo deste terramoto materno com antecedência, nada fez e procura ou faz que procura a solução cingindo-se somente ao grupo profissional dos médicos.
Qual a justificação para encerrar a maternidade do Hospital de Santa Maria? Será que a construção de um novo edifício obrigava a fechar a maternidade existente? Claro que não, até porque espaço é coisa que não falta no maior hospital do país.
A maternidade Alfredo da Costa também sofreu recentemente obras de melhoramento e não houve necessidade de proceder ao encerramento, mantendo-se aberta e dando resposta a quem a procurou. A gestão deste péssimo serviço que se está a oferecer às grávidas não pode passar apenas por ouvir os médicos, os EESMO’s (Enfermeiros Especialistas de Saúde Materna e Obstetrícia) têm de fazer parte da equação, porque podem e conseguem assegurar todo o trabalho de parto que tenha como desfecho o parto eutócico (partos normais), além de terem competência para vigiar gravidezes de risco em contexto de bloco de partos, deixando as equipas médicas para outras tarefas de assistência, nomeadamente para os partos distócicos (ventosas, fórceps e cesarianas).
A média nacional dos partos distócicos, segundo a pordata, é de 55,3%. Este número elevado tem uma causa: o setor privado, que faz na região de Lisboa mais partos do que o público.
A situação atual não se deve só a uma má gestão do ponto de vista de recursos humanos. Não equacionam todo o trabalho dos EESMO’s nas maternidades, mas podemos fazer parte da solução. Sabemos que o Verão, Natal e Páscoa são épocas críticas, mas este problema nunca é tratado com a devida antecedência.
O mesmo acontece com o Ministério da Saúde, que sabendo a ansiedade e receio vivido pelas grávidas, nada fez. Atuou como uma avestruz e meteu a cabeça na areia, apresentando um plano de emergência que, mais uma vez, aposta no setor privado e social, em vez de privilegiar o setor público.
Esta gestão é tão má (não falo dos gestores hospitalares) que permite que os médicos gozem férias maioritariamente entre julho e agosto, tal como noutras épocas atrás descritas, agravando ainda mais este caos. Não quero com isto dizer que não possam gozar algum tempo de férias neste período, mas este só pode ser consentido de forma a não pôr em causa o serviço público.
Há falta de coragem política ao não impor um período mínimo de permanência no SNS para os médicos que acabam o internato, criando uma dificuldade na gestão a curto e médio prazo e favorecendo de forma notória o setor privado, que recruta estes médicos mais diferenciados a custo zero.
Até que ponto não haverá aqui interesses dos grandes grupos privados de saúde e o governo? Sabemos para onde vão a maioria dos governantes depois de abandonarem a vida política…
Outro aspeto de falta de coragem política é a ausência de requisição de médicos ao setor privado quando o SNS está em perigo de encerrar maternidades, pondo em causa o serviço público. Relembro que, como enfermeiro, fomos requisitados recentemente porque conseguimos fechar blocos operatórios, colocando em causa esse mesmo serviço público.
Os EESMO’s poderão fazer 100% dos partos eutócicos, que representam cerca de 44,7% dos nascimentos, segundo a pordata – dados relativos a 2022. Enquanto isso, as equipas médicas poderão ser reequacionadas de modo a restabelecer o serviço público com segurança, porque nascer tem de ser seguro, tranquilo e feliz.
Portugal e os portugueses merecem essa segurança, mas para isso haja coragem política de terminar com corporativismos e recolocar as grávidas à frente de tudo o resto. Não ofereço rosas, apresento soluções para mitigar este descalabro caótico no dia a dia das maternidades.
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