A recente controvérsia entre médicos de família e enfermeiros após recentes declarações feitas por representantes da enfermagem obstétrica ganha novos contornos com as declarações de Nuno Jacinto, Presidente da Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar (APMGF), em entrevista exclusiva ao nosso jornal (que pode consultar adiante). Recorde-se que esta polémica surgiu após declarações feitas por representantes da enfermagem obstétrica, que motivaram um comunicado do Colégio de Medicina Geral e Familiar da Ordem dos Médicos expressando preocupação aquelas declarações, consideradas infundadas e prejudiciais à colaboração na saúde materna.
Em declarações ao Healthnews, Nuno Jacinto descreveu a reação da APMGF como de “estranheza e preocupação”, criticando a “leviandade” das declarações sobre as competências dos médicos de família e expressando a sua preocupação sobre o impacto negativo destas afirmações nos cidadãos.
Tanto o comunicado do Colégio quanto Jacinto enfatizam a alta qualificação e formação rigorosa dos especialistas em MGF. Jacinto destaca que os cuidados primários possuem a competência técnico-científica necessária para lidar com complicações comuns na gravidez.
O Presidente da APMGF afirma que os principais desafios estão na transição de cuidados não-programados que necessitam de resposta rápida das urgências hospitalares, enfatizando a importância de uma Rede de Referenciação Materno-infantil eficaz no SNS.
Ordem e APMGF destacam a importância do trabalho em equipa. Ao nosso jornal, Nuno Jacinto destacou as Unidades Coordenadoras Funcionais como um exemplo de cooperação existente desde 1998 e expressou expectativas sobre a integração de cuidados nas Unidades Locais de Saúde.
Para o Presidente da APMGF o maior reconhecimento da competência dos médicos de família vem da confiança dos utentes, que os procuram para diversos cuidados de saúde.
De recordar que no comunicado que emitiu, como resposta a “recentes declarações feitas por representantes da enfermagem obstétrica”, a Ordem dos Médicos, através do Colégio de Especialidade de Medicina Geral e Familiar repudiou veementemente as insinuações de que os médicos de família carecem de sensibilidade na prestação de cuidados a grávidas. A OM destacou a alta qualificação e formação rigorosa dos especialistas em MGF, sublinhando o compromisso contínuo destes profissionais com a saúde das mulheres e dos recém-nascidos, assegurando o acompanhamento contínuo em todas as fases da gravidez, incluindo o diagnóstico e a orientação das situações de maior complexidade.
No comunicado do Colégio da Especialidade de Medicina Geral e Familiar (MGF), com o apoio do Bastonário Carlos Cortes, afirma ser “inadmissível que se sugira um retrocesso na organização dos cuidados de saúde, desvalorizando a competência dos médicos de Família, cuja prática é baseada na mais rigorosa evidência científica.
Na mesma nota, os médicos afirmam rejeitar “qualquer tentativa de imposição ou desrespeito pelas nossas funções e competências. Estamos atentos e vigilantes. Não aceitaremos atropelos à nossa competência e às nossas responsabilidades. Defendemos, sim, a construção de oportunidades para um verdadeiro trabalho em equipa, onde todos os profissionais de saúde possam contribuir com a sua experiência e conhecimento para a excelência dos cuidados de saúde materna no nosso país. Nunca aceitaremos medidas que ponham em causa a segurança e a qualidade dos cuidados prestados às grávidas e aos recém-nascidos. O nosso compromisso é, e sempre será, a defesa de um Sistema de Saúde robusto, onde a cooperação e o respeito mútuo entre todas as classes profissionais prevaleçam”, concluem.
A Entrevista a Nuno Jacinto
Presidente da APMGF defende competência dos Médicos de Família
Helathnews (HN) – Como a APMGF vê o impacto das declarações da enfermagem obstétrica na colaboração entre médicos de família e enfermeiros nos cuidados maternos?
Nuno Jacinto (NJ) – A APMGF recebeu as declarações proferidas por representantes de enfermagem obstétrica com estranheza e preocupação. Estranheza, pela leviandade com que se lançam declarações infundadas sobre as competências de outros grupos profissionais de saúde. Preocupação, porque revelam imprudência e insensibilidade sobre o impacto negativo que tais afirmações, carregadas de juízos de valor, podem ter nos cidadãos. Os médicos e enfermeiros que diariamente trabalham de forma colaborativa nos cuidados de saúde maternos dos Centros de Saúde consideraram-nas certamente lamentáveis e absurdas.
HN – Quais são os principais desafios para os médicos de família no acompanhamento de grávidas e como podem ser superados?
NJ – As mulheres com gravidez de baixo risco recebem cuidados de saúde na preconceção, na gravidez e no puerpério, pelos médicos de família, nos termos do Programa Nacional para a Vigilância da Gravidez de Baixo Risco. Os cuidados de saúde primários possuem a competência técnico cientifica e a experiência necessária para lidar com as complicações mais comuns e de menor gravidade na gravidez. Os principais desafios podem decorrer na transição de cuidados de saúde não-programados na gravidez que necessitam de uma resposta atempada das urgências hospitalares para quem delas verdadeiramente necessita.
Uma Rede de Referenciação Materno-infantil do Serviço Nacional de Saúde, que integre padrões de segurança e qualidade, de forma a assegurar o acompanhamento nas situações de maior risco materno-fetal é essencial, para manter a taxa reduzida de desfechos maternos e perinatais adversos em Portugal.
HN – Como a APMGF avalia o reconhecimento da competência dos médicos de família no Serviço Nacional de Saúde e o que pode ser feito para fortalecer a cooperação interdisciplinar?
NJ – A competência dos MF no SNS, nomeadamente a sua formação pós-graduada, é reconhecida por todas as entidades públicas que têm a responsabilidade de avaliar a atividade formativa e profissional dos Médicos de Família. Mas porventura, o maior reconhecimento da competência é o testemunho dado pela confiança que os utentes têm nos seus Médicos de Famílias e respetivas Equipas de Saúde, a quem recorrem quando necessitam de cuidados de saúde de qualquer natureza.
A cooperação interdisciplinar na área da Saúde materna e infantil existe de forma regulamentada desde 1998 com a constituição das Unidades Coordenadoras Funcionais (UCF). Durante este tempo, as UCF desempenharam um papel fundamental na articulação dos cuidados de saúde primários e secundários, tendo permitido uma melhoria significativa nos indicadores materno-infantis. O fortalecimento da cooperação interdisciplinar entre níveis de prestação de cuidados de saúde é um dos principais fundamentos da constituição das Unidades Locais de Saúde. Aguardamos, por isso, com expectativa o aprofundamento efetivo da integração da prestação de cuidados de saúde nas Unidades Locais de Saúde.
HN/MMM
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