Entrevista Exclusiva: O Futuro da Imagem Cardíaca com João Borges Rosa

03/06/2025
O cardiologista João Borges Rosa, da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra, revela em entrevista exclusiva ao Healthnews detalhes sobre o seu estudo piloto, distinguido com o Prémio de […]

O cardiologista João Borges Rosa, da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra, revela em entrevista exclusiva ao Healthnews detalhes sobre o seu estudo piloto, distinguido com o Prémio de Investigação Clínica da Secção Regional do Centro da Ordem dos Médicos (SRCOM), um galardão atribuído em parceria com a Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra. A investigação, focada na avaliação da fibrose miocárdica em doentes com insuficiência cardíaca, utiliza a inovadora técnica PET/CT com 68Ga-FAPI, prometendo avanços significativos no diagnóstico e tratamento de doenças cardíacas.

Healthnews (HN) – O seu estudo piloto foca-se na avaliação da fibrose miocárdica em doentes com insuficiência cardíaca. Pode explicar-nos de que forma a utilização da PET/CT com 68Ga-FAPI representa uma inovação no diagnóstico e monitorização desta condição?

João Borges Rosa (JBR) – A utilização da PET/CT (tomografia de emissão de positrões/tomografia computorizada) com o radiofármaco 68Ga-FAPI (inibidores da proteína de ativação de fibroblastos marcados com galio-68) representa uma inovação no diagnóstico da fibrose miocárdica devido à sua
elevada especificidade na deteção de fibrose ativa e patológica. A proteína de ativação de fibroblastos é quase exclusivamente expressa na superfície de fibroblastos ativados, não tendo habitualmente expressão em tecido saudável. Os inibidores da proteína de ativação de fibroblastos (FAPI) têm elevada especificidade por esta proteína da superfície de fibroblastos, sem alterar a sua função. A marcação do FAPI com o radionuclídeo galio-68, permite a identificação do composto 68Ga-FAPI pela PET/CT, nas zonas de miocárdio onde exista fibrose ativa e patológica, permitindo o seu diagnóstico e monitorização de uma forma não invasiva.

HN – A fibrose miocárdica é descrita como um fator-chave na progressão da insuficiência cardíaca. Como é que a deteção precoce desta condição, através da sua abordagem inovadora, pode impactar o tratamento e o prognóstico dos doentes?

JBR – A deteção precoce de fibrose miocárdica poderá permitir o estudo etiológico da insuficiência cardíaca mais cedo, uma vigilância clínica, ecocardiográfica e analítica mais regular, bem como ainstituição de terapêutica numa fase mais inicial. É uma abordagem inovadora que poderá oferecer diagnósticos mais precisos e personalizados bem como permitir a monitorização da progressão da doença. Contudo, como para qualquer outro novo exame, é essencial que esta potencial utilidade clínica em relação à abordagem atual seja demonstrada através de estudos robustos.

HN – O seu estudo compara a captação do radiofármaco 68Ga-FAPI com os achados da ressonância magnética cardíaca. Quais são as principais vantagens da PET/CT em relação à RMC na identificação da fibrose miocárdica?
JBR – A ressonância magnética cardíaca é o exame não invasivo gold-standard para o diagnóstico de fibrose miocárdica. Contudo, as alterações detetadas neste exame correspondem a expansão do espaço extracelular, não sendo específicas de fibrose, pelo que pode identificar outros processos
patológicos como edema, inflamação ou deposição de proteínas. Outras limitações apontadas à ressonância magnética cardíaca são a maior dificuldade em detetar estadios precoces de fibrogenese e impossibilidade de diferenciar fibrose em fase ativa e em fase inativa inativa. Estudos recentes têm sugerido que a  68Ga-FAPI PET/CT pode ultrapassar estas limitações, ao detetar fibroblastos ativados patologicamente, de uma forma mais precoce e específica.

HN – Além do diagnóstico, o seu projeto também pretende correlacionar a carga de fibrose miocárdica com marcadores séricos e eventos cardiovasculares. Que implicações clínicas espera que estes achados tenham na prática médica futura?

JBR – O objetivo primário deste estudo consiste na avaliação da fibrose miocárdica em doentes com insuficiência cardíaca, procurando compreender melhor este processo fisiopatológico, comparando-o com a ressonância magnética cardíaca. Tendo em conta que já existe evidência da relação entre as
alterações sugestivas de fibrose miocárdica na ressonância magnética cardíaca quer com marcadores séricos, quer com eventos cardiovasculares, a hipótese colocada é de que a identificação de fibrose miocárdica através de 68Ga-FAPI poderá também apresentar esta associação, eventualmente com benefício adicional.

HN – A insuficiência cardíaca é uma patologia com elevado impacto económico e social. Como é que a sua investigação pode contribuir para reduzir os custos associados a esta doença e melhorar a qualidade de vida dos doentes?

JBR – A insuficiência cardíaca é uma patologia cardíaca de elevada prevalência e com incidência  crescente, associada a uma morbimortalidade significativa e elevado impacto económico sobre os sistemas de saúde. A melhor compreensão da fibrose miocárdica, componente relevante  da fisiopatologia da insuficiência cardíaca, pode contribuir não só para um diagnóstico mais precoce, como também para um melhor seguimento e tratamento. Com redução de sintomas e melhoria da qualidade de vida, é possível reduzir custos inerentes à utilização do serviço de urgência e hospitalizações. Contudo, a nossa expectativa é que nas próximas décadas existia um crescimento na investigação de fármacos dirigidos à prevenção e reversão de fibrose miocárdica, que alterem significativamente o prognóstico da doença, pelo que se torna essencial a existência de exames de imagem não invasivos que permitam monitorizar o efeito desses futuros fármacos.

HN – Ter recebido o Prémio de Investigação Clínica da Secção Regional do Centro da Ordem dos Médicos é um reconhecimento notável. Como é que este galardão pode impulsionar o desenvolvimento do seu trabalho e da investigação na área da cardiologia em Portugal?

JBR – O Prémio de Investigação Clínica da Secção Regional do Centro da Ordem dos Médicos reconhece as qualidades do projeto de investigação apresentado e irá permitir suportar os custos inerentes ao seu desenvolvimento. Temos a expectativa de que este primeiro projeto seja o primeiro
numa linha de estudo focada na fibrose miocárdica, atualmente na insuficiência cardíaca de uma forma geral. No futuro, de acordo com os resultados, pretendemos evoluir para estudos mais dirigidos a certas causas de insuficiência cardíaca como a miocardiopatia hipertrófica, mas também para participar em ensaios clínicos para o estudo de fármacos. Esperamos que este estudo contribua para o desenvolvimento da investigação nacional não só na área da insuficiência cardíaca, mas também no campo da imagem cardiovascular.

Entrevista MMM

Artigo publicado na revista #29 HealthNews, aceda a mais conteúdos aqui

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