Miguel Raimundo, médico especialista em medicina de reprodução, ginecologia e obstetrícia

Procriação Medicamente Assistida: quando a tecnologia tem de ser sinónimo de confiança

04/15/2025

A notícia chega do outro lado do mundo. Na Austrália, uma mulher recorreu a uma clínica de medicina reprodutiva para concretizar o sonho de ser mãe, e deu à luz um bebé que não era geneticamente seu. Como? Um erro no processo de fertilização in vitro. Esta questão gerou uma compreensível inquietação na opinião pública e, em particular, entre os especialistas em medicina reprodutiva.

São casos raros, é um facto. Estes casos servem de alerta para o quão sensível é o processo de Procriação Medicamente Assistida (PMA). Um pequeno erro pode mudar a vida de famílias – tanto a nível físico, como emocional e, principalmente, ético.

Numa clínica especializada em PMA, tudo é altamente controlado. Todos os procedimentos – desde a estimulação ovárica à colheita de gâmetas, à fecundação, ao cultivo embrionário, à criopreservação e à transferência obedecem a uma sequência meticulosamente definida e altamente controlada. Cada amostra, seja de óvulos, sémen ou embriões, é identificada, etiquetada, rastreada e verificada em todas as etapas. Existem protocolos rigorosos para garantir a rastreabilidade e a correspondência correta entre os elementos do casal e os seus materiais genéticos. A verificação por dupla testemunha, as assinaturas digitais, os códigos de barras e os sistemas eletrónicos de validação cruzada fazem parte da rotina diária. Não há como existirem falhas neste processo.

Toda esta meticulosidade não exclui o erro humano. Está lá, pode acontecer com qualquer um de nós. Mas aconteceu num processo de Procriação Medicamente Assistida. Nos dias de hoje já há ferramentas que ajudam a mitigar o erro humano. É aqui que entra a Inteligência Artificial, que representa um verdadeiro avanço nesta área. Não substitui os profissionais de saúde, mas pode funcionar como um método adicional de segurança de forma a diminuir a margem de erro.

A Inteligência Artificial permite a integração de tecnologias de reconhecimento visual e de alertas automatizados para incongruências. Com esta ajuda, casos como o da Austrália não aconteciam. Do ponto de vista da embriologia, a Inteligência Artificial também assume um papel muito importante, nomeadamente na avaliação da qualidade embrionária. São questões muito importantes que podem ser impulsionadas pelo uso da Inteligência Artificial, de forma a aumentar as probabilidades de sucesso do tratamento e reduz os riscos.

Portugal tem excelentes especialistas e clínicas de PMA, algumas delas reconhecidas internacionalmente. Mas casos como o que aconteceu na Austrália lembram-nos que em momento algum podemos baixar a guarda. A transparência, as auditorias, o investimento em inovação tecnológica e em formação são valores que têm de estar sempre presentes. A confiança em nós, médicos especialistas em Medicina Reprodutiva, constrói-se. E casos como o da Austrália podem desconstruí-la. É grave, sem dúvida. Mas deve servir, sobretudo, como um caso de reflexão e melhoria na Procriação Medicamente Assistida.

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