Fechei a primeira parte desta reflexão em torno do desejo latente, em muitos Portugueses, de manter um vínculo laboral na Função Pública e nem trouxe ao tema a ambição nacional de se “ser reformado”, por outras palavras, inteiramente dependente do Estado e da Segurança Social.
O Estado Português continuará decerto a não ter o mesmo tipo de dificuldades em recrutar pessoas para a maioria das funções de que necessita para cumprir as suas obrigações.
Obviamente que não poderei afirmar o mesmo quanto a lugares de elevadas qualificações, aos quais, no entanto, mais do que as condições remuneratórias se invocam qualidade do projecto ou função ou do trabalho ou pacotes adicionais sejam em benefícios dito sociais ou incentivos.
Uma boa gestão e poupança orçamental será sempre um forte aporte à sustentabilidade das Finanças Públicas na lógica do Estado Providência.
E escutamos, todos, discursos sobre a protecção dos idosos e os riscos de serem os mais novos a custear a transição para a sustentabilidade financeira do sistema global, quando já são os mais novos no mercado de emprego a ter os contratos a prazo, ao lado dos mais velhos com contratos sem termo.
Contudo é muito pouco plausível que alguma vez o Estado português pretenda equilibrar as remunerações entre o setor público e privado. É que realmente o Estado não vai à falência do mesmo modo que as empresas.
Assistimos, sofremos e pagamos e continuaremos a custear as três bancarrotas já sofridas e parece que esquecidas, em Democracia e desde o 25 de Abril de 1974, como se isso não fosse o suficiente ou parte relevante do estado a que chegaram o SNS, as Escolas, as Forças Armadas ou a Justiça!
Porém e este é o meu ponto, nunca foram associadas ou acompanhadas por despedimentos dos funcionários públicos de carreira!
Por pano de fundo a constatação de que, o “mercado” e a saúde não se têm revelado uma boa combinação: custos elevados, atendimento de nível mediano, estratégias de serviços, comportamentos e resultados bem diversos.
Então e voltando ao centro desta divagação, porque faltam médicos no SNS?
Salvo melhor opinião por um conjunto de argumentos que procuraremos enunciar agora e datalhadamente e depois aprofundar na terceira parte desta série de reflexões.
Assim, a primeira tem a ver com a evolução geracional verificada na classe médica lusitana.
São jovens médicos nascidos no final do século passado ou já neste, numa época bem diferente, filhos de pais que foram surpreendidos e beneficiados pelo 25 de Abril e por uma transformação parcelar do país, das mentalidades, das instituições, das relações e das ambições.
A segunda, com a simultaneidade do desenvolvimento tecnológico e do bem-estar social, ficaram a uma enorme distância do que foram ou eram as dificuldades de então, no dia a dia, nos acessos de todo o tipo e natureza, nas taxas de analfabetismo e pobreza, no receio que às pessoas representava uma ida ao médico ou pior ainda, a um hospital.
A terceira, vivemos em época de oportunidades, mas aos novos clínicos isso não é entendido como uma via de muito esforço e trabalho e um desafio para ser assumido e vencido, pelo que as não identificando nem reconhecendo, desperdiçam-nas…
A quarta é que ser médico é uma profissão e seria uma vocação idealmente, sendo garantido muito, muito trabalho e esforço, exigindo de cada um estudo e desenvolvimento pessoal permanente e contínuo, porque isso é o activo que valoriza.
A quinta passa pela rigidez do serviço público em si e pelo desânimo que provocam nos seus quadros. Ou seja, pela complexidade cretina de enquadramentos e disposições legais e aspectos burocráticos que condenam o ritmo e envolvimento público, e ainda pela responsabilidade partidária das gerações governativas que não pensam nem articulam nem consolidam os planeamentos de longo prazo, sem os quais os resultados desejados não evidenciados e as inflexões e as mudanças sucessivas são desastrosas, demolidoras e desmotivadoras.
A sexta tem a ver com a evolução remuneratória. A noção de carreira na Administração Pública não se compatibiliza com quem tem por objectivo de vida ganhar muito dinheiro. É por esta razão que outras alternativas são também mais atraentes, muito embora se associem a outros riscos.
Creio que o fantasma da proletarização é já mais do que isso, o que deve atemorizar os médicos. Mas convenhamos, a medicina que estão praticando e pelas quais são pública e mediaticamente responsáveis…
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