Mário André Macedo Enfermeiro e Gestor Público

Alterar a Constituição para melhorar a Saúde: A solução mágica!

05/25/2025

Todos têm direito à proteção da saúde e o dever de a defender e promover. É assim que a Constituição da República Portuguesa (CRP) abre o tema da saúde, no seu artigo 64º. Em 50 anos de democracia, as alterações que este artigo sofreu foram poucas. Talvez a mais conhecida e relevante, que abriu portas para que sejam cobradas taxas moderadoras, foi a adição do conceito de “tendencialmente gratuito” em 1989.

Nas últimas três revisões constitucionais, a saúde esteve ausente do debate. E compreende-se o motivo. Não foi pela constituição que o financiamento público na saúde tem caído, que o setor privado tem crescido, e que o SNS tem perdido capacidade e conhecimento em várias áreas. Mas também não foi pela CRP que o SNS tem batido recordes de produção cirúrgica, ou de consultas, há 6 anos consecutivos.

Ao nível da organização e estrutura, a CRP nunca foi impedimento da passagem dos hospitais primeiro para SA e depois para EPE. Não impediu a reforma dos cuidados de saúde primários. Não impediu nem a criação de PPP’s nem o seu fim parcial. Duas Bases da Saúde foram criadas, outras tantas propostas, foram criadas Unidades Locais de Saúde, uma entidade para a gestão financeira e uma Direção Executiva. A CRP nada disto impediu.

É com enorme surpresa que assistimos à fixação quase obsessiva na alteração da CRP, como uma espécie de varinha mágica que tudo vai resolver na saúde. Como descrevi nos parágrafos anteriores, o texto constitucional é bastante amplo e permite várias abordagens ao objetivo de fornecer cuidados de saúde universais, desde o nível operacional ao nível estratégico, da organização local à nacional.

A falta de ideias concretas para o setor da saúde parece levar à promessa de alterar a Lei Fundamental como única alternativa. Exceto se o objetivo for desmantelar o SNS, as propostas apresentadas são, em sua maioria, constitucionais. Por exemplo, quando a extrema direita promete, ao mesmo tempo, cortar mil milhões de euros no SNS e aumentar salários, trata-se de uma proposta absurda e irrealista, mas constitucional. Quando os Liberais pedem dezenas de PPP, nunca antes montadas em ULS e quando temos menos capacidade técnica para o fazer hoje que há 20 anos, irá aumentar a ineficiência, os gastos, degradar as condições laborais e sem evidência de ganhos em saúde, mas é constitucional.

Temos um problema com a capacidade de sonhar e imaginar por parte da nossa classe política. É preocupante que tenham capitulado de tal maneira em relação à possibilidade de construir um futuro melhor, que a narrativa tenha mudado para: “não se consegue fazer nada por causa de 210 palavras mágicas”.

Precisamos de ser ambiciosos perante este imobilismo. É verdade e inegável que o serviço público de saúde apresenta vários sucessos todos os dias. Mas é impossível afirmar que tudo está bem. Faltam recursos humanos, que com os salários atuais é extremamente difícil de resolver. Falta uma liderança estratégica que promova a descentralização e uma verdadeira integração de cuidados, não só para poupar recursos, como para focar os cuidados no cidadão. Precisamos de ser corajosos, e atuar num paradigma não corporativo e não conservador. Os resultados em saúde, a equidade, a solidariedade, a coesão social, a ciência e a sustentabilidade económica e ambiental, devem ser os fatores que guiam a nossa análise e atuação no setor.

Os cidadãos e os profissionais de saúde não querem mais guerras culturais. Não querem mais atuações para vídeos no tik-tok. Querem ideias e soluções para resolver problemas no dia a dia. Temos de o exigir a quem nos representa.

 

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