Ana Paula Nunes: Professora adjunta no ensino superior; Doutoramento em Bioética.

Ajuda Humanitária em conflitos armados – Quando a solidariedade exige competência, legalidade e responsabilidade

06/13/2025

A defesa dos direitos humanos deve constituir um compromisso ético e jurídico incondicional, particularmente em contextos de conflito armado, onde a dignidade humana é sistematicamente violada. No cenário contemporâneo de guerras assimétricas, bloqueios humanitários e civis aprisionados entre combates e escassez, torna-se essencial distinguir entre solidariedade eficaz e ações que, embora bem-intencionadas, possam comprometer a segurança e o respeito pelo direito internacional humanitário. Foi neste contexto que se inscreveu a recente tentativa de entrada em Gaza por um grupo de ativistas, incluindo Greta Thunberg, a bordo do navio Madleen.

A embarcação partiu de Itália com o objetivo declarado de entregar bens essenciais à população de Gaza, vítima de um bloqueio naval imposto por Israel e intensificado após os acontecimentos de outubro de 2023. A bordo seguiam doze ativistas internacionais. A Marinha israelita intercetou o navio em águas internacionais, a cerca de 185 quilómetros da costa de Gaza, utilizando meios não letais para garantir o embarque e proceder à sua condução até ao porto de Ashdod. Os tripulantes foram submetidos a exames médicos e a interrogatórios, tendo alguns assinado documentos de deportação voluntária, enquanto outros permanecem detidos sob avaliação judicial.

A operação provocou reações fortemente polarizadas. Neste ponto, torna-se essencial recordar que a prestação de ajuda humanitária em conflitos armados internacionais encontra-se regulamentada pelo Protocolo Adicional I às Convenções de Genebra de 1949, em particular pelo artigo 70.º, o qual determina que os socorros de caráter exclusivamente humanitário devem ser autorizados pelas partes em conflito. A formulação legal é inequívoca: não basta alegar intenções humanitárias para legitimar a ação. É necessária coordenação formal e aprovação das autoridades envolvidas, para garantir o princípio da imparcialidade, a segurança dos civis e a neutralidade da ajuda prestada.

Adicionalmente, importa reforçar que a intervenção humanitária exige preparação técnica, formação especializada e estrutura institucional. Operações em cenários de guerra envolvem elevados riscos físicos, jurídicos e políticos, que não podem ser enfrentados por voluntários ativistas sem capacitação. Organizações como o Comité Internacional da Cruz Vermelha, a ACNUR, a Agência da ONU para os Refugiados e tantas outras organizações não governamentais de ajuda humanitária, operam com profissionais treinados, que seguem rigorosos protocolos de conduta, logística, segurança e coordenação com as autoridades locais. A ausência destes elementos num grupo autodeclarado humanitário, coloca em causa a eficácia da missão e pode, involuntariamente, comprometer os próprios civis que se procura ajudar.

A missão do Madleen, ainda que mobilizadora no plano simbólico, não cumpria os requisitos jurídicos nem os critérios operacionais exigidos para missões humanitárias legítimas. As alegações de sequestro não têm fundamento jurídico, uma vez que a detenção decorreu de uma interceção baseada num bloqueio reconhecido, cuja legalidade, embora discutida politicamente, está inscrita nas normas de condução de hostilidades sob o direito internacional humanitário.

Importa recordar que este tipo de bloqueio encontra respaldo normativo no Manual de San Remo sobre o Direito Internacional Aplicável aos Conflitos Armados no Mar (1994). Este manual, reconhecido como fonte interpretativa complementar no domínio do direito internacional humanitário, estabelece as condições legais para a interceção de embarcações que tentem violar bloqueios navais legítimos. Segundo o documento, essa interceção é admissível desde que: existam motivos razoáveis para crer que o navio está a tentar romper o bloqueio; seja emitida uma advertência prévia clara; e, a ação militar respeite os princípios da proporcionalidade e da neutralidade humanitária.

Este artigo pretende ser neutro e imparcial na sua análise crítica. O que aqui se evidencia são factos, sustentados em fontes verificadas, documentos legais e declarações públicas. Não se pretende, com esta análise, tomar posição política, mas contribuir para uma compreensão informada, rigorosa e desideologizada sobre a complexidade das intervenções humanitárias em contexto de guerra. A defesa dos direitos humanos exige mais do que intenções nobres. Exige uma atuação baseada em preparação técnica rigorosa, conformidade legal, neutralidade efetiva e competência operacional. A prestação de ajuda humanitária em cenários de conflito não pode ser confundida com ativismo espontâneo nem reduzida a gestos simbólicos desprovidos de enquadramento funcional. Não basta querer ajudar, é preciso saber como, quando e com que responsabilidade. Os contextos de guerra são altamente voláteis, complexos e perigosos, exigindo dos operacionais um conjunto de competências específicas, que vão desde o domínio do direito internacional humanitário à gestão do risco, comunicação em ambiente hostil, triagem de necessidades em campo e articulação com as autoridades locais e internacionais. Ignorar estas exigências técnicas é expor não só os próprios agentes envolvidos a perigos reais, mas também comprometer a eficácia da ajuda, colocando em risco as populações que se pretende socorrer.

Transformar causas humanitárias em agendas mediáticas, sem sustentação institucional, legal ou logística, é desvirtuar o próprio princípio de solidariedade, convertendo-a numa prática emocionalmente reativa, mas operacionalmente ineficaz e, por vezes, contraproducente. A atuação humanitária deve assentar numa lógica de responsabilidade ética e de competência prática, em que cada decisão é tomada com base numa avaliação criteriosa. Porque no meio da guerra, onde os direitos humanos são mais frágeis e a vida está em risco constante, não é a intenção que salva vidas, é a ação informada, legitimada por normas internacionais, executada com rigor e coordenada com estruturas que garantam a sua eficácia e segurança.

PS: Este artigo foi elaborado por Ana Paula Nunes, contou com uma revisão técnica com o apoio de ferramentas de inteligência artificial e posterior validação e correção final do autor.

 

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