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Porfirias: O que são e os desafios do diagnóstico
As porfirias são doenças metabólicas raras que ocorrem em cerca de 1 a 5 casos por cada 100.000 habitante na Europa. Estão descritas oito porfirias diferentes, cada uma resultante da deficiência em uma das enzimas envolvidas na síntese do grupo heme. Note que o grupo heme é um componente fundamental de várias proteínas importantes existentes no corpo, como por exemplo, na hemoglobina (que permite aos glóbulos vermelhos o transporte de oxigénio) ou em algumas enzimas produzidas no fígado. A maioria das porfirias são doenças hereditárias mas existem formas adquiridas por exposição a factores ambientais, como por exemplo ao chumbo ou a solventes orgânicos.
As porfirias podem ser classificadas de acordo com a sua forma de apresentação em dois grandes grupos: hepáticas (agudas) e as cutâneas (crónicas). As porfirias hepáticas, também designadas de neuroviscerais, são o subgrupo mais comum e apresentam uma grande variabilidade no tipo e gravidade de manifestações clínicas. Estas caracterizam-se por crises agudas que podem incluir dores abdominais intensas (90-95% dos casos), náuseas, vómitos, obstipação e sintomas neurológicos (convulsões, fraqueza muscular, alterações na sensibilidade, irritabilidade, ansiedade, alterações de comportamento, alucinações auditivas ou visuais e confusão mental). Os quadros mais graves podem evoluir para dificuldade respiratória (por fraqueza dos músculos envolvidos na função respiratória), coma ou arritmias. Na sequência das crises agudas recorrentes, muitos doentes podem desenvolver sintomas crónicos, como por exemplo dor crónica, doença renal crónica e lesão hepática.
As crises agudas podem ser desencadeadas por fármacos que são indutores do citocromo P450 como por exemplo as sulfonamidas, os barbitúricos, os estrogénios e progestagéneos. A Rede europeia de Porfirias fornece regularmente listas actualizadas de potenciais fármacos indutores. Outros desencadeadores de crises incluem as restrições calóricas, o stress metabólico (traumatismo grave, cirurgia ou infeção), o tabagismo, o consumo de álcool e as flutuações hormonais ao longo do ciclo menstrual. Poderá ser devida a esta relação com a fase pré-menstrual, que as porfirias agudas são expressas pelo menos três vezes mais em mulheres, apesar da incidência semelhante de mutações genéticas em ambos os sexos.
Os sintomas gastrointestinais e neurológicos das porfirias hepáticas agudas assemelham-se aos sintomas de muitas outras doenças mais comuns, o que pode dificultar o seu diagnóstico. Uma característica das porfirias agudas é a ocorrência de uma urina com tonalidade avermelhada que resulta da presença de porfirinas urinárias. No entanto, essa característica não é sensível nem específica o suficiente para ter valor diagnóstico. O diagnóstico da doença é possível através de uma amostra de urina colhida durante a crise aguda, pela presença de níveis elevados de dois precursores do heme (ácido delta-aminolevulínico e porfobilinogénio). Quando a colheita não é realizada em crise, estes precursores poderão ter doseamentos próximos dos índices fisiológicos normais.
Para confirmação do diagnóstico de porfiria hepática aguda é necessário medir a atividade da enzima nos eritrócitos e prosseguir com o estudo genético. Este estudo irá permitir a identificação dos familiares de primeiro grau que sejam portadores assintomáticos, com o intuito de os alertar para os sinais e sintomas da doença, bem como promover a evicção de factores desencadeantes de crises.
O tratamento das porfirias hepáticas agudas inclui a identificação e remoção dos indutores de crise e o tratamento dirigido aos sintomas predominantes (dor, hipertensão, arritmia, dificuldade respiratória, náuseas e vómitos, entre outros). Na presença de sintomas neurológicos, está indicado a administração de hemina humana por via endovenosa. Os doentes com crises recorrentes (> 3 por ano) podem receber administração profiláctica de hemina, isto é, um tratamento fora de crise e com intervalos regulares. Recentemente foi aprovado pela Agência Europeia do Medicamento um tratamento inovador que recorre ao silenciamento de genes através de um ácido ribonucleico interferente pequeno (siRNA) de cadeia dupla que provoca a degradação do ácido ribonucleico mensageiro (mRNA) alvo. Na porfiria hepática aguda, este mecanismo reduz a produção e acumulação dos intermediários tóxicos do heme que são os principais responsáveis pelas manifestações da doença. Este tratamento demonstrou ser eficaz na redução significativa do número de crises anuais e do número de dias de administração de hemina. Por fim, o transplante hepático é uma opção de última linha no tratamento das porfirias agudas.
A prevalência de casos de Porfirias em Portugal está certamente subestimada pela dificuldade inerente ao seu diagnóstico. Nestas patologias raras que se apresentam com sintomatologia difusa e pouco específica, a suspeição clínica e o doseamento de ácido delta-aminolevulínico e porfobilinogénio são pilares fulcrais para o seu diagnóstico atempado. Apesar de não existir cura, o diagnóstico é de extrema importância, pois permitirá estabelecer um tratamento que, não só aumenta a taxa de sobrevida, como melhora o prognóstico por diminuir o risco de complicações e evolução para lesões crónicas.
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