Não houve nenhuma poção mágica para acabar com a meningite meningocócica, apenas assistimos a uma redução significativa da incidência. Mas até que ponto devemos ficar entusiasmados? Em entrevista à HealthNews, Francesca Ceddia, VP, Head Global Medical Affairs da GSK, alerta para a possibilidade de estarmos perante um iceberg em que apenas conseguimos ver uma ínfima parte do impacto da Covid-19 na prevenção da meningite. Sendo a vacinação a principal arma contra a doença, Francesca Ceddia revela que já estão a ser feitos esforços para atender às necessidades ainda não satisfeitas de doentes e familiares.
Healthnews (HN) – Foi uma das speakers e moderadoras do evento “Prevenção da Meningite: o impacto da pandemia” promovido esta quarta-feira pela GSK. O que destacaria do debate?
Francesca Ceddia (FC) – Vivemos sem dúvida um período estranho devido à pandemia provocada pela Covid-19. No entanto, o risco de estarmos apenas focados no novo coronavírus fez com que percamos o controlo de outras doenças, particularmente daquelas que não são muito comuns como é o caso da meningite meningocócica.
A Organização Mundial da Saúde e o Centro de Controlo de Doenças têm reforçado e alertado para a importância de não deixarmos a vacinação de outras doenças para trás. Na verdade, esta mensagem é ainda mais importante quando falamos em doenças pouco frequentes, nomeadamente a meningite meningocócica.
Nunca vou conseguir esquecer a experiência que tive com um caso de meningite. É muito difícil ver um paciente e passado 24 horas o doente já não estar lá.
HN – No webinar foi mencionado o facto de haver alguns sintomas da doença parecidos aos de uma gripe ou mesmo à Covid-19. Que paralelismo existem entre a meningite meningocócica e a Covid-19?
FC – Temos vindo a aprender mais sobre a pandemia, mas no caso a meningite temos mais informação. Sabemos que a Covid-19 é muito mais contagiosa do que a meningite meningocócica, o que é positivo, uma vez que não é tão frequente. No entanto, a grande diferença é que os sintomas do novo coronavírus dão-nos tempo para perceber que talvez estamos infetados, enquanto no caso da meningite, é tão súbito que, quando os sintomas são mais específicos pode já ser demasiado tarde. O doente pode morrer em 24 horas ou os doentes podem sofrer danos irreversíveis. Um em cada dez doentes morre e um em cada cinco sobre consequências graves, como amputações.
Algumas pessoas ser portadoras do meningococo sem saber, mas mantêm-se saudáveis. De facto, entre 10 a 15% da população é portadora da bactéria, mas se o paciente estiver numa situação imunológica mais debilitada ou transmitir para alguém mais vulnerável (por exemplo, a alguém que tenha contraído a doença da Covid-19) pode ser mais grave.
Ao ser uma doença que se transmite pelo contacto mais próximo, e como as infeções reduziram durante o confinamento, o risco real retorna quando as pessoas começam a conviver outra vez.
HN – No evento foi apresentado um estudo que alerta para a quebra das taxas de vacinação. Estamos perante um iceberg em que apenas vemos uma ínfima parte das consequências da falta de prevenção da meningite?
FC – Essa é uma pergunta muito importante. As atenções todas estão viradas para a Covid-19 e vemos que graças às máscaras e ao distanciamento social a incidência das algumas doenças respiratórias tem diminuído. Estatísticas inglesas mostram, por exemplo, que casos de meningite meningocócica têm reduzido. No entanto, não sabemos quando irão voltar.
A nossa experiência do passado demonstrou que quando as vacinas não são aplicadas para prevenir certas doenças é possível surgirem surtos ou até uma epidemia, falo por exemplo do sarampo. Temos e estar atentos e não esquecer outras routinas de vacinação que são absolutamente importantes, já que podem ter consequências devastadoras.
Com os hospitais e as Unidades de Cuidados Intensivos ocupadas quando aparece um indivíduo com meningite meningocócica pode ser angustiante para os hospitais, especialmente quando a se vive uma situação de pandemia.
HN – Não tem receio que a desconfiança da população relativamente às vacinas aumente o número de casos de meningite meningocócica?
FC – Esse pode ser um risco. As pessoas não querem ir ao médico porque têm medo de contrair a Covid-19, mas sabem da importância de levar a vacina contra a meningite meningocócica.
O risco começa quando as pessoas não são vacinas e tendem a conviver com normalidade. O risco está a apenas a ser adiado… o distanciamento social não previne a meningite, apenas adia.
HN – Existem diferentes vacinas para os vários tipos de meningite. Consegue compreender a confusão de alguns pais?
FC – Existem vários tipos de meningite, mas no que toca às crianças estas levam um conjunto de vacinas obrigatórias que previnem diversas doenças. Destas uma delas protege contra um tipo de meningite. O que acontece é que muitos pais acham que essa vacina obrigatória protege os seus filhos dos outros tipos de meningite. É aqui quando os médicos desempenham um papel importante em explicar os pais que existem vários tipos de meningite e diferentes tipos de vacinas.
Existem outras vacinas que protegem contra vários tipos de meningite. Alguns países têm para todos os tipos e outros não.
Pelo menos cinco tipos causam 80% das doenças meningocócicas e para estes cinco existem vacinas que previnem a doença.
HN – Sendo a meningite meningocócica uma doença grave que pode levar à morte em 24 horas, quais os avanços científicos que estão a ser feitos na área da vacinação?
FC – As vacinas que existem são eficazes e com um bom perfil de tolerabilidade, mas tal como o cientista Rino Rappuoli explicou o desenvolvimento das vacinas é incrivelmente complexo. Levou cerca de 20 anos a pesquisa e o desenvolvimento da vacina contra a meningite B.
Um aspeto importante diz respeito à combinação. Em vez de termos diferentes vacinas a ideia é conseguirmos juntar numa única vacina a proteção necessária para os vários tipos de meningite. Isto facilitaria e os pais não teriam de ser lembrados que os filhos precisam de levar vacinas em diferentes alturas. Esta vacina está a ser desenvolvida. Estamos a estudar uma única vacina contra os diferentes tipos de meningite. Juntar a vacina da meningite meningocócica ACWY com a B.
HN – Quais as principais necessidades ainda por satisfazer nesta área?
FC – Acredito que provavelmente um aspeto importante é o aumento da conscientização, não apenas sobre a doença, mas também sobre a forma como a doença interfere na vida do doente, na família e na sociedade. A meningite meningocócica tem consequências indiretas, provoca stress emocional na família, no seu entorno, nos hospitais e no trabalho, nomeadamente quando os pais têm de tomar conta do filho doente. Portanto não se trata penas da conscientização sobre o risco de contrair a doença, mas de conscientizar a sociedade de todas as outras consequências para a família e sistemas de saúde.
Entrevista de Vaishaly Camões
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