Alípio Araújo: HTA é a comorbilidade mais frequente no doente oncológico

1 de Abril 2021

A hipertensão arterial está presente em cerca de 40% dos doentes oncológicos. Alípio Araújo, especialista em Medicina Interna no Centro Clínico da Fundação Champalimaud, alerta ainda que o risco de […]

A hipertensão arterial está presente em cerca de 40% dos doentes oncológicos. Alípio Araújo, especialista em Medicina Interna no Centro Clínico da Fundação Champalimaud, alerta ainda que o risco de doença cardíaca é maior na população oncológica no primeiro ano após o diagnóstico e nos long survivors.

 HealthNews (HN) – As doenças cardiovasculares apresentam uma incidência crescente em doentes com cancro. Esse facto está diretamente relacionado com o envelhecimento da população e o aumento das doenças oncológicas nessas faixas etárias?

Alípio Araújo (AA) – Na verdade, ambas as doenças apresentam uma incidência crescente em termos globais, e dentro dos doentes com cancro cada vez mais têm doença cardiovascular. Porque têm uma maior sobrevivência e, por isso, mais probabilidade de ter doença cardiovascular; porque têm terapêuticas oncológicas que podem aumentar esse risco e, finalmente, porque provavelmente a doença oncológica tem a mesma base inflamatória da doença cardiovascular.

A hipertensão arterial, sendo um fator de risco muito prevalente na população portuguesa, é também a comorbilidade mais frequente no doente oncológico, estando presente em cerca de 40% dos doentes. Para além disso, há a agravante de algumas das terapêuticas oncológicas poderem induzir hipertensão arterial ou agravarem uma hipertensão arterial pré-existente.

HN – Há dados, nacionais e internacionais, sobre o aumento da prevalência da hipertensão durante o tratamento oncológico e o aparecimento de hipertensão severa?

AA – As terapêuticas utilizadas no tratamento do cancro têm evoluído imenso e tanto os tratamentos mais clássicos como os novos agentes farmacológicos, utilizados com cada vez maior frequência, têm implicado mais hipertensão arterial.

Os agentes alquilantes, os inibidores do VEGF (vascular endotelial growth factor), ou o trastuzumab, são os maiores responsáveis neste processo. Para além disso, os corticóides, os anti-inflamatórios, a eritropoietina, são fármacos utilizados nos tratamentos dos doentes oncológicos e podem induzir agravamento da hipertensão arterial.

HN – Além do tipo de cancro e da idade dos pacientes, que outros fatores influenciam a incidência e a severidade da hipertensão?

AA – Sem falarmos dos cancros que provocam hipertensão arterial de forma direta (neoplasias renais, feocromocitoma, etc), é extremamente importante o diagnóstico precoce da hipertensão arterial, antes do início do tratamento oncológico. Também é fundamental a otimização e controlo tensional nos indivíduos hipertensos, de forma a poder alcançar as doses máximas de tratamento oncológico sem afetar os valores de tensão arterial.

HN – O tratamento adequado da HTA  doentes é então essencial?

AA – É de extrema importância o controlo tensional antes do início da terapêutica oncológica, evitando o descontrolo tensional. Este facto permite que se utilizem sempre as doses de tratamento oncológico recomendadas, sem interrupções e sem ajustes, com optimização do tratamento.

HN –  Quais são as melhores estratégias para monitorizar, prevenir e tratar as complicações cardiológicas durante o tratamento oncológico?

AA – Eu utilizaria as palavras chave: identificar, otimizar e tratar se necessário. Identificar com medições prévias dos valores tensionais ou eventualmente realizar um MAPA ou fazer uso do AMPA; otimizar o doente com intervenções no estilo de vida e outras comorbilidades (diabetes, tabaco, insuficiência renal); e, finalmente, aplicar eventuais reforços farmacológicos.

HN – A população de doentes sobreviventes de cancro aumentou substancialmente nas últimas décadas. O risco de doença cardíaca é maior nesta população?

AA – O risco de doença cardíaca é maior na população oncológica em dois timings distintos. No primeiro ano após o diagnóstico oncológico em que há um maior risco, e nos long survivors, sobretudo naqueles com doença oncológica de evolução mais lenta. Os doente com neoplasias mais agressivas morrem mais de cancro, enquanto que os doentes com neoplasias mais “indolentes” e com seguimento mais prolongado (como é o caso do cancro da bexiga, próstata, mama, linfomas) têm maior risco de morte por doença cardíaca ou AVC. Este facto levanta a questão da importância da adoção de estilos de vida saudável no doente oncológico quer de forma a evitar a recidiva, quer de forma a diminuir o risco cardiovascular.

HN – Deverá ser instituído um programa de vigilância a longo prazo?

AA –  Nalguns tipos de cancro, creio que poderá ser útil a criação de protocolos que possam ser instituídos a longo prazo, de forma a ter uma maior vigilância e controlo do doente. Este acompanhamento deve ser realizado tendo em linha de conta as intervenções oncológicas efetuadas, como sejam o tipo de quimioterapia ou a radioterapia efetivada.

HN – Na prática clínica, estes doentes também devem ser aconselhados e ajudados a fazer alterações no seu estilo de vida?

AA – Essa deveria ser sempre a primeira medida a ser adotada pelos doentes. Nestes casos, o profissional de saúde tem um papel ainda mais determinante e fulcral para colocar o foco de intervenção neste nível e de forma persistente.

Adelaide Oliveira

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