Uma equipa científica acaba de descobrir um mecanismo regulador do metabolismo do tecido adiposo castanho que opera através do sistema hormonal calicreína-cinina, até agora associado apenas à fisiologia do sistema renal e cardiovascular e aos processos de inflamação e dor.
A investigação, publicada na revista “Nature Communications”, é liderada por Francesc Villarroya, da Faculdade de Biologia do Instituto de Biomedicina (IBUB) da Universidade de Barcelona, e membro do CIBER de Fisiopatologia da Obesidade e Nutrição (CIBERobn) do Instituto de Saúde Carlos III. Especialistas da Universidade de Santiago de Compostela, da Universidade de Maastricht (Holanda) e da Universidade de Humboldt, do Centro de Pesquisa Cardiovascular e do Instituto de Saúde de Berlim (Alemanha) também participam no estudo.
A principal função do tecido adiposo castanho é queimar calorias e produzir calor corporal a partir de gorduras (termogénese). Também atua como um órgão endócrino capaz de secretar fatores que ativam o metabolismo de gorduras e hidratos de carbono e ajudam a prevenir patologias como a obesidade ou a diabetes. No entanto, a atividade excessiva e descontrolada desse tecido pode causar efeitos nocivos, como a caquexia – perda excessiva de massa corporal – presente nalguns tipos de cancro.
Este estudo descreve pela primeira vez a relação do sistema calicreína-cinina com os processos de regulação metabólica no tecido adiposo castanho. Esse tecido é ativado como uma reação aos estímulos ambientais – temperatura, alimentação – e a sua resposta é canalizada através do sistema nervoso simpático e de fatores hormonais. Tradicionalmente, pensava-se que a interrupção desses fatores indutores era a razão que limitava a termogénese da gordura.
“Sabemos agora que alguns mecanismos ativos podem atuar como freio e que os próprios indutores positivos podem ativar o sistema calicreína-cinina , que atua como um mecanismo de autocontrolo para suprimir a atividade da gordura castanha”, explica Francesc Villarroya, chefe do Grupo de Investigação em Genética e Biologia Molecular de Proteínas Mitocondriais e Patologias Associadas da UB.
“Apesar de parecer contraditório – os próprios sinais de ativação determinam o autocontrolo do sistema – isso explica-se se considerarmos como é importante a regulação fina da termogénese para impedir que muitos metabólitos sejam queimados sem nenhum objetivo fisiológico para o organismo”, sublinha o especialista.
O mecanismo bioquímico para queimar calorias e produzir calor corporal a partir de gorduras é um processo que altera completamente a atividade bioenergética das mitocôndrias, a organela celular responsável pela obtenção de energia. Nesse mecanismo em particular, a atividade das mitocôndrias não é a usual – oxidação de substratos para obter moléculas de ATP e fornecimento de energia às células – mas resulta na dissipação da energia metabólica na forma de calor.
A atividade excessiva do tecido adiposo castanho causa condições patológicas associadas ao gasto energético descontrolado e à perda acelerada de peso (caquexia, por exemplo) em pacientes afetados por tumores. Ainda existem muitas incógnitas sobre um processo que, num cenário clínico, também dificulta a recuperação das pessoas afetadas por grandes queimaduras quando o gasto energético e a atividade do tecido adiposo castanho são acionados.
Muito antes de se conhecer a fisiologia do tecido adiposo castanho, a dissociação mitocondrial foi o mecanismo alterado pelo envenenamento dos operários de fábricas de armamento durante a Primeira Guerra Mundial. Devido à exposição ao dinitrofenol – um composto tóxico que gera uma incontrolável dissociação mitocondrial em todos os tecidos do corpo – a temperatura dos trabalhadores envenenados disparou e a sua perda de peso foi dramática. Na década de 1970, a comunidade científica conseguiu identificar que a dissociação mitocondrial é um processo que, de maneira específica e controlada, ocorre nas mitocôndrias do tecido adiposo castanho usando a proteína UCP1.
“É evidente que este mecanismo deve ser altamente controlado para não gerar problemas devido a atividades descontroladas. De facto, é possível que a evolução tenha confinado esse mecanismo nas mitocôndrias de uma célula especializada – o adipócito castanho – e não em todos os tecidos do organismo, como mecanismo de segurança”, aponta Villarroya.
O estudo poderia trazer novas estratégias para moderar a atividade termogénica em situações patológicas, como o cancro. Nesse contexto, a descoberta da ação local do sistema de autocontrolo endógeno calicreína-cinina sobre o tecido adiposo castanho, abre novos horizontes para futuras armas farmacológicas para combater e controlar as doenças metabólicas.
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