Maria Amália Pacheco: “O alargamento da vacinação gratuita aos rapazes é um avanço importante para reduzir o HPV”

4 de Maio 2021

Maria Amália Pacheco Ginecologista e Obstetra, do Centro Hospitalar e Universitário do Algarve

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Maria Amália Pacheco: “O alargamento da vacinação gratuita aos rapazes é um avanço importante para reduzir o HPV”

Aos olhos da ginecologista e obstetra, do Centro Hospitalar e Universitário do Algarve, a inclusão da vacina contra o vírus do papiloma humano (HPV), no Plano Nacinonal de Vacinação, para rapazes “foi uma decisão visionária que resultará em significativos ganhos em saúde”. Estima-se que entre 75 a 80% da população seja infetada em alguma fase da vida. Por esta razão, Maria Amália Pacheco sublinha que a vacinação é “a principal via de prevenção primária”, alertando que o HPV é responsável por mais de 70% dos cancros do colo do útero.

HealthNews (HN)- O Papilomavírus humano está associado normalmente à mulher. No entanto, esta infeção não escolhe género. É assim?

Maria Amália Pacheco (MAP)- O HPV é um vírus muito frequente e altamente contagioso, estimando-se que 75-80% da população mundial seja infetada pelo HPV em alguma fase da vida, sendo que a prevalência é variável consoante a região avaliada. O HPV não escolhe género, sendo responsável, em todo o mundo e em ambos os sexos, por lesões benignas e malignas. É, atualmente, considerado o segundo carcinogéneo mais importante, logo a seguir ao tabaco, sendo responsável por 99,7% dos cancros do colo útero ( 3º cancro mais frequente  nas mulheres), 90% da vagina, 40% da vulva e pénis, assim como pelas lesões pré-invasivas e invasivas anogenitais, da cabeça e pescoço.

HN- Existem dados que informem sobre a realidade portuguesa?

MAP- Em Portugal, um estudo efetuado com amostragem de todo o País – o estudo Cleopatre – evidenciou, na população feminina, uma prevalência da infeção por HPV de 19,4%, sendo que em 76,5% dos casos estavam envolvidos vírus de alto risco oncogénico.

HN- Existem diferentes tipos de HPV, com diferentes graus de prevalência e risco?

MAP- Existem mais de 200 tipos de HPV, sendo que, entre estes, apenas 40 infetam o trato ano genital. Os vírus podem ser considerados de alto e baixo risco, dos quais 14 tipos causam a maioria dos cancros, entre estes o HPV 16 e 18, que causam mais de 70% dos cancros do colo útero.

HN- A maioria da população está infetada ou já contactou com o vírus em algum momento da sua vida?

MAP- O HPV é um vírus de transmissão fácil, persistente e prevalente. É a infeção viral transmitida por via sexual mais comum a nível mundial, estimando-se que 75 a 80% da população seja infetada em alguma fase da sua vida. A evolução da doença faz-se através de um contínuo de uma série de estádios entre a lesão de baixo grau, a lesão de alto grau e o estádio de invasão. Esta sequência evolutiva pode demorar 2, 5, 10 ou 20 anos, ou, mesmo nas lesões pré-malignas, ser revertida e a lesão ser resolvida pelo próprio sistema imunitário. As diferenças entre o tempo e o tipo de evolução têm a ver com diversos fatores, entre os quais: o tipo de HPV implicado na doença, o sistema imunitário da mulher e o consumo de tabaco, uma vez que este interfere negativamente na nossa imunidade.

HN- Já a percentagem dos que desenvolvem doença é muito menor…

MAP- O vírus HPV infeta cerca de 75 a 80% das pessoas sexualmente ativas e, embora 90% das pessoas consigam eliminá-lo ao fim de algum tempo, em 10% dos casos a sua infeção persiste ao longo de vários anos, acabando por evoluir para cancro.

HN- É possível identificar os casos que vão evoluir para doença, das situações benignas ou de remissão total?

MAP- Sim, é possível.

O CCU pode ser prevenido e curado. No entanto, as taxas de cura são mais elevadas se a doença for diagnosticada atempadamente

Vejamos, o cancro do colo do útero manifesta-se, na grande maioria dos casos, após vários anos de infeção persistente, que corresponde ao resultado final e, felizmente, raro da infecção por HPV. Contudo, o HPV é responsável por outros cancros, nomeadamente o cancro da vagina e da vulva, assim como cancros da orofaringe.

A prevenção do HPV continua a ser a forma mais eficaz de combater a doença.

HN- Qual é a eficácia da vacina no geral e na prevenção de lesões de alto grau e respetivos cancros associados?

MAP- A vacina é a principal via de prevenção primária, sendo o rastreio a principal estratégia de prevenção secundária. A primeira evita a infeção e, por sua vez, o aparecimento da doença. A segunda evita que uma lesão já existente progrida para cancro. Assim, a vacina contra o HPV é a melhor forma de prevenir os cancros associados ao HPV, pois está diretamente relacionada com a diminuição do risco de contágio pelo vírus.

Alguns trabalhos já demonstraram, ao fim de 10 anos de utilização universal (Austrália, Dinamarca, Suécia, Alemanha, Bélgica, EUA, Nova Zelândia):

  • Redução da infeção persistente aos HPV contidos nas vacinas
  • Redução dos condilomas genitais
  • Redução das lesões genitais de baixo e alto gra

HN- Quem é que se deve vacinar?

MAP- Raparigas e rapazes no PNV, assim como todas as mulheres, independentemente da idade.

HN- A vacina é suficiente como meio de prevenção?

MAP- A principal medida é impedir a infeção do HPV (muito frequente em adolescentes e adultos jovens). Como tal, temos de falar em vacinação, porque a vacina contra o HPV previne o cancro associado a estas infeções, os condilomas genitais e ainda induz imunidade de grupo, conferindo proteção adicional aos não vacinados. No entanto, é igualmente importante não esquecer o rastreio, que é considerado a principal estratégia de prevenção secundária.

HN- Verificam-se assimetrias regionais no que respeita à prevenção?

MAP- Sim, as taxas de adesão ao rastreio diferem em cada região do país.

HN- Considera que a vacina deveria ser estendida a outras faixas etárias para além dos grupos contemplados no PNV?

MAP- Todas as mulheres deveriam ser vacinadas, independentemente da idade

HN- Qual a importância do profissional de saúde na gestão da prevenção deste vírus no atual contexto pandémico?

MAP- O atual contexto pandémico levou a cancelamentos, atrasos na marcação de consultas, listas de espera para colposcopia, e, claro, diminuição da adesão aos rastreios.

Em relação à adesão das mulheres ao rastreio, esta é muito inferior aos anos anteriores, ou seja, a Covid-19 veio acentuar significativamente o problema de adesão ao rastreio por parte das mulheres.

Neste sentido, o profissional de saúde deve apostar no aumento da adesão ao rastreio através de programas de informação e sensibilização das mulheres (educá-las para que a adesão ao rastreio aumente, pois se não houver adesão não se consegue atingir os objetivos de redução).

Por outro lado, o profissional de saúde tem um papel importante no aconselhamento da vacinação, que deverá centrar-se na relação interpessoal, assegurar a compreensão da informação (precisa e pertinente associada à infeção por HPV e doenças associadas, bem como benefícios das vacinas), esclarecer dúvidas, ouvir prioridades e valores e relação benefício-custo, para assegurar uma correta utilização.

HN- O que poderia melhorar?

MAP- Pensando que a infeção por HPV tem a sua máxima prevalência nos primeiros anos após o início da atividade sexual, o risco de adquirir novas infeções por HPV permanece elevado com a idade, 75% das quais por HPV de alto risco oncogénico.

Devemos, então, criar estratégias para mudar este panorama, e, de acordo com as metas da OMS, estas estratégias assentam em 3 pilares:  vacinação, rastreio e tratamento.

Para cumprir estas estratégias é necessário um aconselhamento baseado na melhor evidência científica, de modo a aumentarmos a adesão à vacinação, ao rastreio a ao tratamento e, assim, podermos cumprir a estratégia global que a OMS lança para eliminar o cancro do colo útero como problema de saúde pública: uma oportunidade para tornar esta doença uma doença do passado.

HN- Uma nota final…

MAP- A eliminação do Cancro do Colo do Útero é uma realidade que se pode perspetivar num futuro mais ou menos próximo, dependendo da capacidade de cada país de implementar planos de prevenção primária (vacinação) e secundária (rastreios organizados);

Portugal foi um dos primeiros países a nível mundial a incluir a vacina contra o HPV no seu PNV e dos países com maiores taxas de cobertura vacinal nas raparigas (~90%). Foi uma decisão visionária e que resultará em significativos ganhos em saúde para as mulheres Portuguesas.

Além disso, em 2020, o alargamento da vacinação gratuita aos rapazes consiste num avanço importante para reduzir a infeção por HPV e, consequentemente, a incidência do CCU.

Considerando que o Cancro do Colo do Útero é um dos cancros com maior potencial de prevenção e cura, chegando perto dos 100% quando diagnosticado precocemente, a Organização Mundial de Saúde definiu como uma das suas metas a eliminação do CCU até 2030, através de uma estratégia a implementar a nível global.

Entrevista de Vaishaly Camões 

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