“Herói” é como muitos portugueses o chamam. Apesar do medo e do caos instalado no serviço de urgências com a chegada do vírus, o enfermeiro do Serviço de Urgência Geral do Hospital Santa Maria, Filipe Orfão, foi um dos soldados que nunca virou as costas aos seus doentes. No Dia Mundial do Enfermeiro admite sentir medo “que as pessoas tenham memória curta”, mas reforça a ideia de que “estivemos e estamos cá sempre do lado dos nossos doentes”.
HealthNews (HN)- O serviço de urgências é a porta de entrada de muitos doentes aos hospitais. Qual o papel enfermeiros na receção destes doentes?
Filipe Órfão (FO)- Somos a primeira pessoa que cuida do doente quando este dá entrada nos serviços de urgência. Por este motivo, é fundamental que o nosso papel seja desempenhado da melhor forma possível para a pessoa se sentir segura e perceber que estamos lá para ajudar num momento que, teoricamente, será difícil e de alguma instabilidade.
HN- O que mudou nos serviços de urgência com a chegada do vírus? Os enfermeiros tiveram de reinventar-se?
FO- Sem dúvida. Tivemos que nos redefinir como pessoas, tanto a nível pessoal, como profissional. Na altura, quando o vírus surgiu, tudo nos trazia medo e angustia. Era tudo uma incerteza constante de todas as pessoas que estavam ao nosso lado. No serviço de urgência, na maioria das vezes, não sabemos se os doentes são positivos ou negativos. Não deixou de haver outro tipo de doenças… Continua a haver enfartes, AVC’s e outras patologias agudas, mas esses doentes podem ser portadores do vírus. Isso ainda hoje causa-nos medo.
HN- Enquanto enfermeiro alguma vez sentiu-se de mãos e pés atados no combate à pandemia?
FO- Sim, claro. Penso que toda a gente se vai lembrar daquilo que vivemos… Eu pelo menos nunca me irei esquecer do nosso mês de janeiro. Nunca irei esquecer a imagem de ter mais de 40 ambulâncias à porta do hospital. Aquilo não foi ficção, foi real e eu estive presente. Por mais anos que passem nunca me vou esquecer de chegar ao hospital e ver 42 ambulâncias à entrada do serviço de urgência e perceber que cada vez mais chegavam mais doentes e eu não tinha sítio onde os colocar. Por mais que quisesse fazer alguma coisa por aqueles doentes não tinha sitio para os pôr.
Quando pensávamos que em 2021 as coisas iam melhorar assistimos a um mês de janeiro que foi, para mim, o pior mês da pandemia.
HN- Qual o maior desafio que os enfermeiros enfrentam nos serviços de urgência?
FO- No que toca à Covid foi uma afluência desmesurada, completamente desproporcional ao que estávamos habituados, em que todo o serviço teve de ser readaptado para conseguirmos ter capacidade para receber aquele número de doentes. Nesse sentido foi difícil. As pessoas não têm noção, mas houve muito trabalho interno de gestão e planeamento que nos permitiu ultrapassar essa fase.
HN- E agora que a situação epidemiológica está sob controlo, quais os novos desafios identifica nestas unidades?
FO- O serviço de urgência sempre foi um serviço cheio de desafios. Neste momento estamos receber doentes que agravaram as suas doenças por causa do medo de se dirigir aos hospitais. Estamos a tentar ir atrás do prejuízo. É um desafio enorme tentar recuperar o tempo perdido.
HN- Tendo em conta que os enfermeiros se deparam com doentes em situação crítica e que, em contexto de cuidados intensivos, a sépsis é uma das principais causas de morbilidade e mortalidade. Qual o papel do enfermeiro na gestão dos cuidados destes doentes?
FO- O diagnóstico da sépsis é feito e deve ser feito muito precocemente. O enfermeiro tem um papel importante na triagem do doente e, portanto, o profissional de saúde deve conhecer perfeitamente as guidelines da via verde sépsis (é com base nestas informações que orientamos o controlo dos doentes). O enfermeiro tem ser capaz de perceber quando os sinais e sintomas apontam para um quadro de sépsis.
HN- Qual a sua experiência e participação na via verde da Sépsis?
FO- Teoricamente o enfermeiro será o primeiro que estará desperto para os sinais e sintomas na triagem, salas de reanimação e até nos balções.
Todos os dias identificamos e fazemos o encaminhamento destes doentes. É um trabalho multidisciplinar, a via verde assim o impõe. Quanto mais rápido o tratamento for implementado, menos rápido será deterioramento da doença.
HN- No período mais crítico da pandemia foi implementado algum protocolo de reforço da via verde da sepsis para garantir o diagnóstico mais rápido deste tipo de infeções?
FO- No meu caso não identifico nenhum protocolo mais rápido do que a via verde sépsis. Penso que nada se implementou de diferente, simplesmente se manteve e bem. A Covid-19 não era a única doença que existia e, por isso, o protocolo da via verde sépsis foi mantido e implementado sempre que foi necessário.
HN- Considera que o papel dos enfermeiros é agora enaltecido devido ao seu trabalho no combate à Covid-19?
FO- Tivemos muitas demonstrações de carinho por toda a população, mas tenho um pouco de medo que as pessoas tenham uma memória curta. De qualquer forma quero crer que as pessoas têm uma visão dos enfermeiros reforçada porque perceberam que somos e fomos fundamentais nos hospitais. O enfermeiro é o pilar dos cuidados de saúde e acho que as pessoas tiveram essa noção. Penso que o respeito e a admiração ficaram patentes e espero que mantenham essa visão. Não foi só para a pandemia que estivemos disponíveis… Estivemos e estamos cá sempre do lado deles porque o doente sempre será o nosso principal foco de atenção.
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