As novas terapêutica estão a levar os doentes com cancro do pulmão “muito mais longe, a viverem muito mais tempo e com maior qualidade de vida”, afirma Fernando Barata, diretor do Departamento de Oncologia do CHUC, fundador do Grupo de Estudos do Cancro do Pulmão e atual presidente do Colégio de Pneumologia da Ordem dos Médicos.
HealthNews (HN) – A maioria dos doentes com cancro do pulmão continua a ser diagnosticada tardiamente?
Fernando Barata (FB)– Sim, mas à semelhança de outros países europeus, vemos que a situação tem vindo a melhorar claramente nas últimas décadas.
Ainda há algum tempo a recuperar entre a suspeição de um cancro de pulmão e a referenciação da Medicina Geral e Familiar para a especialidade de Pneumologia. Depois de entrar em especialidade, até na sequência da transposição e da aplicação em Portugal das boas recomendações quer europeias, quer americanas, os tempos têm melhorado substancialmente.
HN – Apesar disso, a mortalidade continua a ser muito revelante…
FB – De facto, a mortalidade continua, apesar de tudo, a ser elevada. Mas não podemos atribuir essa mortalidade (na globalidade dos doentes diagnosticados, a sobrevivência, aos cinco anos, situa-se em torno dos 18 a 20%) ao atraso exclusivo da referenciação, na medida em que é um tumor com características muito específicas. Nomeadamente, um longo período em que permanece assintomático.
Nos Estados Unidos e nos países do Norte da Europa, por exemplo, a taxa de sobrevivência aos cinco anos é também de 20%.
HN – A deteção precoce passa pela realização de rastreios e por uma maior sensibilização, nomeadamente dos profissionais de saúde?
FB – É necessário que haja uma clara consciencialização de todos para determinados sinais ou sintomas que nos alertem para um cancro do pulmão e que levem ao despiste dessa situação.
Por outro lado, seria muito importante tentar que determinados grupos de risco – pessoas com idades compreendidas entre os 55 e os 75 anos e história de hábitos tabágicos – pudessem entrar em programas de rastreio, tendentes a um diagnóstico mais precoce e a uma melhoria dos índices de mortalidade, que é o que se pretende com os programas de rastreio.
HN – Portanto, os médicos de família deverão estar particularmente atentos a pessoas pertencentes a esses grupos de risco?
FB – Idade superior a 55 anos, história de hábitos tabágicos, forte exposição ambiental e ocupacional e história familiar de doença oncológica, são algumas das situações a que os médicos de família deverão estar mais atentos.
Por outro lado, é necessário que haja uma sensibilização dos médicos de família para determinados sinais ou sintomas. Tosse, cansaço progressivo, toracalgia persistente e expetoração raiada de sangue ou de sangue vivo, deve implicar estudo imagiológico complementar para afirmar ou excluir um eventual cancro do pulmão.
HN – Nos últimos anos houve uma evolução significativa na abordagem terapêutica do cancro do pulmão, com a identificação das mutações. Em 2004, no gene EGFR e em 2007, no gene ALK. O que é que estas descobertas significaram, em termos de tratamento?
FB – Significaram muito. Identificar os doentes com mutação EGFR ou rearranjo ALK é imprescindível, pois hoje já possuímos terapêuticas que são muito eficazes, com baixa toxicidade e que conseguem controlar a doença durante anos.
Alguns doentes com rearranjo ALK, por exemplo, em estudos de vida real, tiveram sobrevivências de 7 a 8 anos, em mediana.
O cancro de pulmão de não pequenas células ALK positivo complica-se frequentemente com metástases cerebrais?
A metastização cerebral surge no doente com rearranjo ALK em 20 a 30% no momento do diagnóstico e em 70% no curso da doença. Isto implica uma abordagem diagnóstica frequente com recurso à ressonância magnética cerebral e uma abordagem terapêutica personalizada com recurso pontual à radioterapia.
Além da terapêutica, há outros aspetos importantes com o intuito de melhorar a vida dos doentes. A abordagem dos efeitos secundários é particularmente significativa?
É necessário que o clínico conheça muito bem os efeitos secundários, até porque estamos a falar de vários fármacos que existem para a doença ALK. É muito importante conhecermos as suas características porque cada um deles tem efeitos adversos e efeitos secundários específicos. Mas são, habitualmente, de grau ligeiro e perfeitamente controláveis.
Como presidente do Colégio de Pneumologia da Ordem dos Médicos, que outros aspetos gostaria de frisar na abordagem do cancro do pulmão e neste em particular?
Hoje, como no passado, o cancro do pulmão surge, em mais de 80% dos casos, em fumadores. Por isso, gostaria de chamar a atenção que o tabaco é um fator fundamental na génese do cancro do pulmão. Não iniciar os hábitos tabágicos ou deixar de fumar é uma medida fundamental e a pessoa de certeza que será recompensada por isso, tendo menor probabilidade de ter um cancro do pulmão.
Por outro lado, todos nós, médicos, temos que estar atentos à persistência de determinados sinais e sintomas respiratórios, tais como tosse, expetoração com sangue, dor torácica, associada muitas vezes a queixas gerais (astenia e emagrecimento, por exemplo), pensar na hipótese de cancro de pulmão e iniciar os estudos no sentido de excluir ou diagnosticar rapidamente para podermos iniciar a melhor terapêutica nestes doentes.
A minha terceira mensagem diz respeito ao facto de, contrariamente ao que acontecia há algumas décadas atrás, termos hoje um conjunto de abordagens terapêuticas muito significativas.
Nesta pequena conversa, falamos da doença ALK mas não da imunoterapia, que representou também um aspeto muito importante e um avanço extraordinário na abordagem terapêutica dos doentes, em associação com as terapêuticas clássicas: cirurgia, quimioterapia e radioterapia.
Hoje, felizmente, todas estas terapêutica estão a levar os nossos doentes muito mais longe, a viverem muito mais tempo e com maior qualidade de vida. Esta é, pois, uma mensagem de esperança para todos eles.
Entrevista de Adelaide Oliveira
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