Venceslau Hespanhol: “As metástases cerebrais podem inviabilizar a qualidade de vida dos doentes”

18 de Junho 2021

Professor Venceslau Hespanhol Diretor do Serviço de Pneumologia do Centro Hospitalar Universitário de São João, Professor Venceslau Hespanhol

Ao contrário das células normais, as células do cancro do pulmão têm uma particularidade negativa ao disseminarem-se para outras partes do organismo com uma evolução bastante rápida. De acordo com o diretor do Serviço de Pneumologia do Centro Hospitalar Universitário de São João, Professor Venceslau Hespanhol, “o cancro do pulmão tem como caraterística metastizar com muita frequência”, no cérebro. O especialista alerta que os doentes com CPNPC ALK+ positivo “têm uma tendência especial para metastização precoce”, defendendo, assim, a aposta em terapêuticas-alvo.

HealthNews (HN)- O cancro do pulmão continua a ser a principal causa de morte por cancro a nível mundial e nacional. O facto de a maioria dos casos serem diagnosticados tardiamente explica a gravidade do prognóstico e as elevadas taxas de mortalidade?

Venceslau Hespanhol (VH)- Provavelmente explica na maioria dos casos… Como é evidente, o tumor avançado é muito mais difícil de tratar do que um tumor numa situação mais precoce. Por outro lado, biologicamente o cancro do pulmão é muito agressivo. Há formas deste tipo de cancro com uma evolução muito rápida. Portanto, a própria natureza do tumor em si é uma característica negativa.

A razão por que há muitos cancros avançados tem a ver com o facto de se desenvolver silenciosamente durante muitos anos. O que verificamos muitas vezes é que a doença acelera a determinada altura, tornando-se mais difícil de controlar.

HN- O Cancro do pulmão de não pequenas células (CPNPC) é o tipo de cancro mais frequente, sendo que 5% dos doentes sofrem uma alteração no ADN que afeta um gene denominado cinase do linfoma anaplásico (ALK). Quando e como se deve investigar a presença de rearranjos do ALK?

VH- Fazemos essa pesquisa automaticamente a todos os doentes, mesmo aos doentes cirúrgicos que não têm histologia escamosa. É uma espécie de avaliação reflexa. Utilizamos sequenciação de nova geração em que avaliamos translocações do ALK.

HN- Tal como referiu, as evidências científicas apontam que a mutação do gene ALK parece apresentar um risco aumentado de desenvolver metástases cerebrais e hepáticas. Qual a importância da identificação de metastização cerebral do cancro do pulmão?

VH- O cancro do pulmão tem como caraterística metastizar com muita frequência para os ossos, para o cérebro e para o fígado. Quando falamos do cancro do pulmão falamos de muitas realidades diferentes…. Os doentes com ALK positivo têm uma tendência especial para metastização precoce. Estamos a falar de doentes avançados e que não podem ser tratados com tratamento local, nomeadamente com cirurgia. Por este motivo utilizamos preferencialmente tratamentos-alvo que sejam ativos, também, no sistema nervoso central.

HN- Qual o impacto que as metástases cerebrais têm na qualidade de vida e na sobrevivência dos doentes com CPNPC ALK+?

VH- As metástases cerebrais podem inviabilizar a qualidade de vida dos doentes. Nunca sabemos se as conseguimos controlar. O que se faz usualmente é radioterapia e corticoterapia, mas muitas vezes podemos não conseguir controlar as metástases e o doente acabar por falecer. Portanto, o ideal é que não se desenvolvam.

HN- Apesar dos avanços na compreensão científica do CPNPC ALK+ terem resultado num aumento do tempo de sobrevivência, não tem sido possível assegurar a cura da doença, sobretudo, porque durante o tratamento os doentes desenvolvem resistências. Do seu ponto de vista o que é necessário para conseguir melhorar a qualidade de vida dos doentes?

VH- Os tratamentos em que o perfil de tolerância é melhor e que tem mais taxa de resposta são aqueles que melhoram a qualidade de vida. O que é preciso encontrar é, nomeadamente mais tratamentos dirigidos. É preciso utilizar medicina de precisão, como são os inibidores do ALK, e melhorar ainda mais a capacidade de Imunoterapia no controlo de evolução da doença. Se conseguirmos fazer isto, muito provavelmente a qualidade de via dos doentes vai melhorar.

HN- Conhecem-se números de prevalência do cancro do pulmão de não-pequenas células ALK-positivo em Portugal?

VH- Não dispomos o número de doentes com CPNPC ALK+. Sabemos que em Portugal temos mais de cinco mil novos casos por ano de cancro do pulmão. Estes números têm vindo a aumentar.

Entrevista de Vaishaly Camões

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