Maria Teresa Reis: “HTA é mais frequente em quem vive só”

08/06/2021
Maria Teresa Reis Médica interna de MGF da USF Topázio e co-autora do estudo "Implications for medical activity of differences between individuals with controlled and uncontrolled hypertension"

“O empoderamento e capacitação devem estar ao alcance não só da pessoa que sofre de hipertensão, mas também da sua rede de apoio no dia-a-dia”, defende Maria Teresa Reis, médica interna de MGF da USF Topázio e co-autora do estudo “Implications for medical activity of differences between individuals with controlled and uncontrolled hypertension”.

HealthNews (HN) –  A hipertensão não controlada é mais frequente em quem vive só?

Maria Teresa Reis (MTR) – Inúmeros fatores, entre os quais os de ordem social e familiar,  contribuem para o menor controlo da hipertensão arterial (HTA). Num estudo publicado em 2019, que procurou comparar diferenças entre HTA controlada e não controlada, verificou-se que esta última é significativamente mais frequente em quem vive só. Quanto ao tipo de família, verifica-se pior controlo da hipertensão para quem vive em família nuclear do quem para quem vive em família alargada, pelo que não só o indivíduo deve ser tido em consideração, mas também o seu ambiente familiar.

HN – De que forma a família pode influenciar, positiva ou negativamente, o controlo da hipertensão?

MTR – A família ou outro núcleo social pode e deve ser envolvida no plano terapêutico da pessoa com hipertensão. Os conselhos e planos alimentares devem ser estendidos à família, envolvendo quem cozinha dentro do núcleo familiar; a atividade física deve ser promovida junto de toda a família com incentivo a atividades em conjunto; para aqueles cuja compreensão da doença e gestão do regime medicamentoso for difícil, a família deve ser chamada a ajudar. No fundo, o empoderamento e capacitação devem estar ao alcance não só da pessoa que sofre de hipertensão, mas também da sua rede de apoio no dia-a-dia.

HN- Os resultados da investigação publicada na Revista Portuguesa de Cardiologia “Implications for medical activity of differences between individuals with controlled and uncontrolled hypertension”, da qual é co-autora, podem ser generalizados para a população portuguesa?

MTR – Este estudo, realizado em 2018 e publicado em 2019, foi conduzido em três unidades de Cuidados de Saúde Primários na Região Centro pela análise dos registos clínicos informáticos de 25 médicos de família.

Atendendo às características da amostra estudada e à metodologia desenvolvida, os resultados obtidos podem ser generalizados para a nossa população.

HN – A prevalência da obesidade e depressão nos doentes com hipertensão não controlada é estatisticamente significativa?

MTR – A obesidade é um dos fatores de risco para HTA e encontra-se associada a pior controlo da doença. Também observamos este facto no nosso estudo. Contudo, a obesidade central medida pelo perímetro abdominal não apresentou diferença estatisticamente significativa entre os dois grupos.

Também neste estudo a presença de depressão foi maior no grupo de não controlo, embora os resultados não demonstrem diferença estatisticamente significativa.

HN – Qual é a sua leitura da relação entre a prescrição de AINEs e a hipertensão não controlada?

MTR – O uso de AINEs é um conhecido fator de risco associado à HTA. O seu uso frequente e por vezes indiscriminado como analgésico em Portugal contribui para que não se verifique um melhor controlo. No nosso estudo verificamos precisamente uma maior prescrição de AINEs no grupo dos indivíduos com hipertensão não controlada, embora sem significado estatisticamente significativo, ao contrário do verificado para as variáveis sociais.

HN – E o facto da cronoterapia não ser utilizada com mais frequência?

MTR – Foi precisamente essa a leitura dos resultados do nosso estudo: verificamos que a cronoterapia não é frequente entre os hipertensos, em particular os que não se encontram controlados. No entanto, sabemos que a toma de pelo menos um anti-hipertensor à noite vai ajudar a reduzir alguns picos matutinos na pressão arterial, frequentemente associados a eventos como os AVC.  Este conhecimento, que se encontra ao nosso dispor, deve ser mais amplamente colocado em prática nas nossas consultas.

HN – O estudo não detetou a eventual existência de inércia terapêutica nos doentes com hipertensão não controlada?

MTR – Não, uma vez que se verificou maior prescrição de fármacos anti-hipertensores no grupo com hipertensão não controlada, embora sem diferença significativa, considerando quer as associações fixas quer o número médio de fármacos.

HN – Que outros pontos importantes podem ser encontrados neste estudo com relevância na prática médica?

MTR – Este estudo revelou o peso das variáveis sociais no mau controlo da hipertensão arterial, com lugar para a adoção de medidas para além das farmacológicas.  Embora se tratem de características não modificáveis, podem ser sujeitas a intervenções pelo médico e enfermeiro de família e ainda com cooperação de outros profissionais como nutricionistas, assistentes sociais, entre outros. O maior conhecimento destes fatores permitirá uma melhor intervenção junto da pessoa que sofre de HTA, com ganhos em saúde.

Entrevista de Adelaide Oliveira

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