Pandemia paralisa lucrativo mercado negro de artigos de luxo na China

19 de Abril 2020

Com a prestação do imóvel e carro para pagar, Yang Yang perdeu recentemente a sua lucrativa fonte de rendimentos: revenda de artigos de luxo na China, trazidos da Europa ao abrigo do ‘tax free' para não-residentes

“O negócio acabou”, explica à agência Lusa o chinês, de 31 anos e residente em Pequim, referindo-se às suas frequentes deslocações à Europa para adquirir produtos para revenda na China, de longe o maior mercado do mundo para marcas de luxo.

A sua última viagem foi em fevereiro passado, quando visitou França, Holanda e Luxemburgo, de onde trouxe malas Louis Vuitton, relógios Rolex e cosméticos Dior, entre outras marcas apreciadas pelos consumidores chineses.

“Foi só comprar e comprar”, recorda Yang Yang sobre a viagem de oito dias pelo Velho Continente.

Na altura, a China estava no pico do surto do novo coronavírus, que começou na cidade chinesa de Wuhan, mas, ao contrário de vários países asiáticos ou dos Estados Unidos, a entrada de viajantes oriundos do país continuou a ser permitida, sem medidas de quarentena ou rastreio, no Espaço Schengen.

À medida que a Europa se tornou no centro da pandemia, contudo, o Governo chinês impôs medidas de quarentena a visitantes oriundos do continente e reduziu as ligações aéreas, ao mesmo tempo que os países europeus proibiram a entrada a não residentes.

Yang Yang, que antes lucrava, em média, mais de 5.000 euros em cada ida à Europa, já descontadas despesas com deslocações e hotéis, passa agora os dias em casa.

“Estou a ficar gordo”, admite o jovem chinês, que tem uma prestação mensal de 10.000 yuan (1.300 euros) para pagar ao banco em crédito de habitação e automóvel. “Não há nada que possa fazer”, admite.

O ‘daigou’ (agenciamento de compras, em chinês) é um mercado negro avaliado em milhares de milhões de euros e que, segundo estimativas chinesas, emprega um milhão de pessoas no país.

A atividade começou com um escândalo de saúde pública, em 2008, quando a adulteração de leite infantil com melanina por 22 marcas locais resultou na morte de seis bebés e em 300 mil intoxicações na China.

Turistas e membros da diáspora chinesa começaram então a adquirir em grandes quantidades leite infantil na Europa, Austrália e Estados Unidos, ou nas regiões semiautónomas de Macau e Hong Kong, para revenda na China, levando alguns países a impor um limite de compra de duas latas por cliente, para evitar escassez nos respetivos mercados domésticos.

“Os chineses não confiam nos produtos comprados na China”, nota Yang Yang, ao mesmo tempo que consulta o Wechat, aplicação chinesa que funciona simultaneamente como rede social e carteira digital, permitindo-lhe divulgar os seus produtos e fazer transações.

Nos últimos anos, o negócio expandiu-se, apoiado pelo regime de isenção do Imposto sobre o Valor Acrescentado para não residentes na União Europeia, que permite aos chineses comprarem sem carga fiscal e revender na China, país que contabiliza um terço do consumo de gama alta do mundo.

Os artigos de luxo importados custam, em média, mais 50% na China do que na Europa, devido aos impostos.

A multiplicação de plataformas de comércio eletrónico e transmissão de vídeo ao vivo e das carteiras digitas agilizou ainda o contacto e transações entre agentes e compradores na China, ao possibilitar a qualquer um abrir lojas virtuais e transmitir ao vivo excursões pelas principais ruas e centros comerciais na Europa.

Hábitos de poupança associadas às gerações anteriores têm também desaparecido no país, à medida que os ‘millennials’ surgem como consumidores ávidos e muitas vezes dispostos a gastar acima das suas possibilidades.

Uma pesquisa do banco britânico HSBC revela que a relação entre dívida e rendimentos na geração pós-década de 1990 da China ascende a 1.850%, sendo que o montante médio da dívida dos consumidores desta faixa etária a uma variedade de instituições de concessão de crédito é superior, em média, ao equivalente a 16.000 euros.

“Os chineses procuram agora produtos VIP”, explica Yang Yang. “E se uma marca é comprada na União Europeia, significa que cumpre com os mais altos padrões de qualidade”, diz.

HN/SO

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