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A máscara descarta-se, a consciência não!
Na fase de confinamento por causa da pandemia Covid-19 a palavra-chave foi: obediência.
Na fase que se segue, a palavra-chave vai ter de ser: consciência.
Por medo, respeito, convicção, lucidez, ou por tudo isto, os portugueses respeitaram o confinamento que lhes foi prescrito e ficaram em casa.
O que, agora, se lhes exige é muito mais dúbio. Mais arriscado. Mais desafiante.
Um mero ato de obediência, só por si, não será suficiente para salvar vidas.
Sábado dia 2 de maio. Talho de bairro. Aviso à porta: só 3 pessoas. Acompanhado de um símbolo de uso obrigatório de máscara, afixado na mesma porta. Quando é chamado, o próximo cliente entra. Com máscara posta. Constata que, lá dentro, as outras duas pessoas estão sem máscara. Observa calmamente: “aqui dentro devia-se estar com máscara”. Resposta pronta e agastada do funcionário: “só a partir de 2ª feira”.
O sucesso da fase que se segue vai depender, fortemente, da atitude que as pessoas decidirem adotar. Da sua capacidade para gerirem os conhecimentos que vão adquirindo. Da convicção com que interiorizarem o sentido de uma recomendação. Do respeito pelos outros. Numa palavra: da sua consciência. Porque tão depressa as pessoas aprendem a obedecer como a desobedecer. A máscara evita-se. Descarta-se. A consciência não.
Culturalmente, no nosso país, as pessoas não estão habituadas a ter de interpretar. E quando o fazem é, muitas vezes, sem sentido crítico.
No entanto, as pessoas querem, no geral, fazer as coisas bem.
Nos diferentes setores que vão começar a abrir, proprietários, empregados e clientes desses mesmos estabelecimentos necessitam de compreender a fundamentação, o porquê e o para quê das regras que vão ter de implementar e às quais se terão de sujeitar. Para que as pessoas possam interiorizar essas regras é necessário evitar que se limitem a segui-las apenas na forma.
Não basta saber, mecanicamente, o que se tem de fazer, como, quando e com quê. Mais do que nunca, a compreensão, ao nível do cidadão comum, do porquê e para quê de uma dada recomendação vai fazer a diferença. Vai potenciar a sua aceitação e adesão consciente. E vai fazer com que, no momento da verdade, aqueles que têm de a aplicar atuem com o máximo de eficácia possível.
Trata-se, pois, de demonstrar às pessoas que as regras, quando estão bem feitas, as ajudam a gerir as coisas práticas do dia-a-dia, a gerir a interação com os outros, a adaptarem-se às novas circunstâncias da vida com as quais, no meio desta pandemia, todos vamos ter de viver. Numa palavra: que foram feitas para estar “ao seu serviço”.
Pequeno minimercado de bairro. Aviso à porta: só podem estar 3 pessoas de cada vez. Quando um cliente sai, a próxima pessoa é chamada. Lá dentro, o dono e a funcionária da caixa. De repente entra, sem nada perguntar e como se fosse óbvio, mais uma pessoa. Acena ao dono da loja e dirige-se à máquina dos cigarros para repor. Um dos clientes observa: “olhe que agora entrou mais uma pessoa, já são quatro”. O dono, jovem simpático, continua na sua lida como se nada tivesse ouvido. Impercetivelmente, pisca o olho à menina da caixa com um sorriso irónico.
Infelizmente, em muitos serviços, lojas e outros locais, não há nada de mais inesperado e de mais incómodo do que um cliente que pergunta, que quer saber, que faz uma observação, que exige que uma regra afixada seja cumprida. Raros são os que veem na observação de um cliente, tenha ele razão ou não, uma oportunidade de melhoria. O dinheiro que o cliente deixa na loja é bem-vindo. A sua observação, não é. Esta atitude é um tremendo desperdício de oportunidade.
Daqui em diante é necessário que se crie um paradigma em que as pessoas se possam manifestar sem ter medo de ficar mal vistas, como tantas vezes tem acontecido. É necessário que, quem se rege pelo princípio da precaução não opte por ficar calado. Mesmo que seja um aspeto que, aos olhos dos outros, possa parecer ridículo, exagerado. Fazer uma observação baseada em factos objetivos, é, na verdade, um ato de solidariedade. Porque proporciona uma oportunidade de reflexão a quem quer fazer bem as coisas certas, à primeira vez e sempre.
Cabeleireiro de bairro. Salão pequeno. Telefonema para marcação. Perguntas sobre regras e condições, que vão sendo satisfatoriamente respondidas ao telefone. Pedido de esclarecimento com pergunta em aberto: se, estando a lotação definida completa, houver pessoas que, pelo hábito, quiserem entrar mesmo que só para marcar, o que fazem? Seria expetável uma resposta simples, fácil e direta, para uma situação previsível e muito provável. Em vez disso, resposta hesitante: esperemos que não! Nova insistência. Novamente a mesma exclamação: esperemos que não, esperemos que não.
Questionar exaustivamente as condições de um serviço e insistir em conhecer a forma como planeiam evitar riscos potenciais, é muito mais do que um direito. É um ato de consciência social.
Porque uma pessoa que não quer ser infetada é também uma pessoa que não quer infetar os outros. Porque uma pessoa que diz NÃO perante uma situação de desrespeito de uma recomendação feita por quem sabe é, na verdade, um cidadão, um trabalhador, um gestor, um familiar, um idoso, um jovem, ou mesmo uma criança, que diz SIM a um princípio que interiorizou: o princípio da precaução. É um cidadão responsável e não um cidadão impertinente.
Notificação de mensagem no telemóvel. Mensagem da manicure a informar que as clientes já podem telefonar a marcar. Acompanhada de explicação completa, clara e esclarecedora das precauções adotadas e das condições que as clientes terão de respeitar. Termina com o compromisso de que irão respeitar todas as regras da DGS.
Para ganhar a batalha da literacia sanitária são necessários especialistas que desenvolvam regras claras e convincentes e autoridades que proponham objetivos justos e aceitáveis. Mas do outro lado têm de estar cidadãos disciplinados, que adotam voluntaria e convictamente o princípio da tolerância zero com qualquer possibilidade evitável de transmissão. Tanto para eles, como para os outros. E que são, felizmente, a maioria.
Neste contexto, as ações e iniciativas dos cidadãos ao nível local vão assumir grande importância, desde que validadas e enquadradas por quem sabe.
Até agora foi a hora da governação. Agora é a hora da transmissão da responsabilidade. Porta a porta, bairro a bairro, prestador a prestador, pessoa a pessoa se necessário.
Porque se não cooperarmos, há razões, quase matemáticas, para o desastre.
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