Professora Maria João Baptista Diretora Clínica do Centro Hospital Universitário de São João

O primeiro doente chegou. Para se multiplicar rapidamente

05/04/2020

[xyz-ips snippet=”Excerpto”]

O primeiro doente chegou. Para se multiplicar rapidamente

04/05/2020 | Covid 19, Opinião

O povo português está a mostrar uma capacidade de resposta à ameaça representada pela COVID-19 que é, no mínimo, exemplar. Somos um povo resiliente, naturalmente solidário. Perante o perigo, somos capazes de nos mobilizar em bloco e respeitar as regras definidas pela autoridade. Somos um estado social, em que o bem comum e a proteção dos cidadãos, prevalece. O Serviço Nacional de Saúde (SNS) e as suas instituições, apesar das fragilidades financeiras bem conhecidas, reúne um grupo de profissionais que garante cuidados de excelência.

O hospital onde trabalho é um dos centros em Portugal preparado para responder a doenças emergentes. Os nossos peritos nacionais alertaram para o problema que se avizinhava, antes mesmo de estar plasmada nos meios de comunicação social a catástrofe que grassava em Itália. Foi necessário tomar decisões rápidas, bem fundamentadas, envolvendo os diferentes intervenientes. A resposta da teia de profissionais hospitalares foi de um rigor e uma generosidade inultrapassáveis. Foi necessário repensar o hospital como um organismo único, com um foco bem definido. Limitar a atividade ao essencial e preparar a resposta ao cataclismo que se adivinhava. Essa resposta foi rápida e eficiente, formaram-se equipas multidisciplinares, redigiram-se protocolos, definiram-se circuitos. De peito aberto, preparamo-nos para o embate. E o primeiro doente chegou. Para se multiplicar rapidamente. O nosso mundo passou a ser norteado por riscos vermelhos e verdes desenhados no chão, por equipamentos de proteção individual que dificultam a respiração e impedem os movimentos, por novos gestos que desafiam a vontade indómita de agir o mais rápido possível. O medo perdeu. Os profissionais agarraram este desafio e mostraram a sua força. A primeira vaga passou. Temos que nos preparar para voltar à normalidade num mundo em que a ameaça se mantém. Vai ser mais difícil agora. Temos algum tempo para nos prepararmos, mas também para refletir. De todo este processo, retenho algumas mensagens indeléveis.

Primeiro, a imensa mais valia da saúde são os seus recursos humanos. O rigor e a preparação técnica, o sentimento primordial de ajudar o próximo, são transversais aos profissionais de saúde. A comunidade reconheceu esta realidade, manifestações de solidariedade e de suporte estenderam-se durante semanas.

Segundo, o SNS é único na capacidade de resposta às necessidades da comunidade. Os hospitais públicos assumiram a posição de primeira linha na resposta à pandemia. Vamos todos ter um papel essencial na retoma dos cuidados de saúde aos portugueses, mas financiar o SNS e capacitar os hospitais públicos, tem que ser uma estratégia nacional para os próximos anos.

Terceiro, a forma como nos posicionamos como prestadores e recetores de cuidados de saúde tem que ser repensada. A utilização desorganizada de serviços de saúde não pode ser tolerada numa era em que se exige a sua racionalização. As instituições precisam garantir planeamento, agendas rigorosas, planos de tratamento realistas, contacto fácil com os hospitais. É necessário investir mais em hospitalização domiciliária, em cuidados de proximidade, em soluções de dispensa de medicamentos em farmácias de comunidade. Otimizar o tempo de todos, garantir a fluidez dos processos, evitar aglomeração de pessoas, tem que estar na ordem de trabalho.

Quarto, é inquestionável a incorporação de novas ferramentas informáticas e plataformas digitais na rotina clínica. O tratamento de dados e a possibilidade de prever a evolução da pandemia foram fulcrais na tomada de decisões. O acesso remoto a instrumentos de apoio clínico permitiu a realização de consultas não presenciais, aumentando a segurança do utente. No futuro, esta realidade estará mais presente, com benefício ao evitar deslocações desnecessárias.

A definição de estratégias, a capacidade de comunicar e o envolvimento de toda sociedade vão ser decisivos nas próximas etapas da resposta à pandemia.

0 Comments

Submit a Comment

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

ÚLTIMAS

México apreende mais de 400 mil doses de fentanil em Jalisco

O México apreendeu hoje mais de 400.000 comprimidos de fentanil e seis toneladas de material químico para produzir esta droga sintética, a escassas semanas de Donald Trump tomar posse como Presidente dos Estados Unidos.

ONU alerta para aumento da fome no Sudão

A fome instalou-se em cinco novas regiões do Sudão devastado pela guerra, segundo um relatório publicado hoje pelo sistema de Classificação das Fases da Segurança Alimentar (IPC) utilizado pelas agências das Nações Unidas.

MAIS LIDAS

Share This
Verified by MonsterInsights