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Um confinamento de emergência. Para durar. E agora?
Gosto de parar no tempo para refletir e me sentir. Não esperava uma oportunidade destas: confinamento por Covid-19? Na realidade, o tempo que pensei que viria a ter, afinal, acabou por ser absorvido numa interminável gestão do dia-a-dia.
Percebi, nestas circunstâncias, que a disciplina era fundamental – deitar e levantar às horas do costume, comer saudável a horas certas, exercitar o corpo todos os dias. Passei a cozinhar e a tirar prazer de novos pratos, a fazer exercícios de ginástica – na cama, antes do levantar, e a andar, pelo menos, meia hora todos os dias, nem que seja para colocar o lixo reciclável nos ecopontos mais próximos. Adquiri alguns novos hábitos: tomo o pequeno-almoço a apanhar sol que, de manhã, chega à varanda e penetra no meu quarto e ando à volta do parque aqui ao lado, onde os passarinhos parecem sentir-se muito felizes. Como faço parte de um grupo de risco, os meus filhos encarregaram-se das compras o que me aconchegou na minha insegurança e derreteu-me em afeto por eles.
Sei, sinto, a importância da arte na vida e tenho tentado conciliar no tempo a atividade profissional com a pintura, a dança criativa, a música e a visualização de expressões artísticas maravilhosas. Participo em vários grupos que partilham, semanalmente, o que fazem, como os Urban Sketchers que, agora, só podem desenhar a partir de casa, com vista para o exterior e para o interior, o que levou à redescoberta das pequenas mas grandes preciosidades que me rodeiam e das quais nunca me tinha dado conta.
Para já, sou uma privilegiada por ter assegurada a satisfação das necessidades básicas mas também por estar a aprender a valorizar e disfrutar das pequenas coisas.
Tenho estudado a fisiologia e a epidemiologia da doença Covid-19 para conhecer as melhores práticas médicas e comunitárias, como o uso de máscaras. Para um profissional de Saúde Pública é imprescindível que esteja cientificamente atualizado, conheça as principais necessidades das populações e tenha uma intervenção ativa nos contextos que podem influenciar as decisões políticas e aumentar a literacia em saúde.
Sinto um imenso respeito e reconhecimento por todos os profissionais de saúde, em especial pelos intensivistas que, na linha final da cadeia de cuidados, tudo fazem para salvar vidas e pelos profissionais de Saúde Pública que, incansavelmente, tentam monitorizar a epidemia, garantir a segurança das pessoas e das estruturas físicas e encontrar, trabalhando junto com outras forças da sociedade, soluções comunitárias para problemas que nem sempre conseguimos, sequer, imaginar que existem no terreno. Também os médicos e enfermeiros dos Cuidados de Saúde Primários, ao contactar proativamente os mais idosos e doentes crónicos, por forma a saber o seu estado, providenciar aconselhamento, mobilizando apoios e cuidados e, eventualmente, ajustando a medicação, ou chamando as crianças para a vacinação, têm revelado uma enorme sensibilidade para com os seus utentes. Apesar de muito estar ainda por fazer, constata-se uma crescente confiança no Serviço Nacional de Saúde por parte da população. Sinto também uma enorme admiração por todos aqueles que passam despercebidos, como voluntários, os que trabalham nos lares ou os que nos resolvem muitos aspetos das nossas vidas, como quem recolhe o lixo ou quem está nas caixas dos supermercados ou nas farmácias.
Na atual situação, é flagrante a importância da comunicação, quer a partir de uma orientação central – que tem sido bem protagonizada pelo Ministério da Saúde e pelo 1º Ministro – quer ao nível local – como os profissionais de saúde e outros, dos municípios às juntas de freguesia e associações de cidadãos, para divulgar informação credível e organizar as respostas às necessidades individuais e coletivas. O papel da comunicação social revela-se crucial e temos assistido a um bom esforço no sentido de atualizar permanentemente a informação, selecionando a mais relevante para a proteção da sociedade. A presença de especialistas nos alinhamentos noticiosos e a criteriosa escolha das fontes de informação tem contribuído para o esclarecimento dos cidadãos, constituindo um mecanismo fundamental de proteção contra a Covid-19. Quanto maior confiança as pessoas tiverem nas autoridades de saúde, nos políticos, nos meios de comunicação social e nos avanços da ciência, mais ganham em literacia em saúde, na sua capacidade de decisão e de ajustamento de comportamentos, tão determinantes na evolução da epidemia. No entanto, é fundamental uma melhor coordenação intersectorial – que é também comunicação – para que as mensagens sejam consistentes e os apoios cheguem onde é preciso, de forma efetiva e eficiente.
A comunicação também diz respeito ao contacto com os familiares, às redes de amigos e de grupos que partilham os mesmos interesses e que, se procurarmos, encontraremos. Passei a acompanhar amigos que estão distantes – como os que tenho nos EUA – e com os quais não contactava tão frequentemente como agora. Passei a falar, todos os dias, com imagem, com o meu pai, os meus filhos e netos, chegando a brincar com eles por WhatsApp e até a acompanhá-los no deitar. Aproveitemos as vantagens da internet.
Tenho saudades de os abraçar e de os beijar. Hoje, confesso, que me descaí. Os meus filhos e netos trouxeram-me à porta uma torradeira como prenda do Dia da Mãe quando souberam que a minha se tinha estragado.
Tenho saudades de estar com os meus alunos apesar de os ver no écran do computador. Tenho saudades do mar.
Nestes dias de resistência à ameaça da Covid-19, a solidariedade tem-se manifestado de muitas formas mas sabemos que ainda não chega a todos. Pode-se ver, por exemplo, que onde existem maiores desigualdades existe maior suscetibilidade para adoecer e morrer, conforme os dados do “Barómetro da Covid-19” da Escola Nacional de Saúde Pública; também nas respostas ao questionário às Juntas de Freguesia enviado pelo Conselho Nacional de Saúde, são evidentes as dificuldades no apoio domiciliário, na resposta aos que mais precisam de alimentos ou medicamentos ou têm incapacidade para pagar as rendas e na existência de famílias sem acesso à internet ou outros meios de informação. Vai haver novas políticas que garantam a equidade e a dignidade a todas as famílias, incluindo os que vivem sós?
É também espantosa a transparência e a luminosidade dos céus ao fim destes dois meses de confinamento. Será que ainda vamos a tempo de reverter as alterações climáticas?
Temos pela frente o maior desafio de todos, para além do cumprimento de regras de higiene, distanciamento físico, manutenção da nossa saúde mental e física: o conhecimento e o desenvolvimento espiritual que nos permita entender as nossas necessidades e as dos outros e a capacidade de descobrirmos o que podemos fazer para alavancarmos as nossas potencialidades como seres humanos solidários, conhecedores e afetuosos, capazes de abraçarmos a Humanidade e cuidarmos da nossa relação com a Natureza.
É altura de imaginarmos que novo mundo queremos e começarmos, desde já, a construí-lo!
“É também espantosa a transparência e a luminosidade dos céus ao fim destes dois meses de confinamento. “(…)” capazes de abraçarmos a Humanidade e cuidarmos da nossa relação com a Natureza. ”
Realço estás 2 asserções pera identificação pessoal c/ as mesmas: é verdades q os dias estão + bonitos, mm k chova, o sol está ousado e tudo o q é passarada invade os passeios a pé; é verdade q, sendo nós hóspedes do planeta, resta-nos permanecer em homeostasis c/ a natureza.
Gostei muito, Isalou. Só q a “menina ñ é de risco“: digo c/ base na m ciência
Cara isabel.
Que belo texto. Narrativa sucinta, clara que nos mostra do fundo d’alma a paixão por aquilo que faz, pela família e, ao mesmo tempo, nos chama a atenção para uma palavra que está pouco valorizada nestes tempos: solidariedade.
Um abraço cá do outro lado do Atlântico
Djalmo Sanzi Souza
Porto Alegre
Brasil