Investigadores alertam para os perigos da realidade virtual

7 de Maio 2020

Especialistas pedem mais investigação científica sobre os efeitos da realidade virtual para estabelecer um regime de regulação semelhante ao do cinema

As investigações sobre realidade virtual começaram na década de 1980, mas é agora, quando os sistemas de alta qualidade já estão disponíveis ao público, que se pode se tornar um produto de consumo. Apesar dessa expansão, ainda não existe conhecimento científico suficiente sobre os efeitos da realidade virtual a longo prazo, nem supervisão sobre o seu conteúdo.

Um grupo internacional de especialistas, no qual participa Mel Slater, diretor do Event Lab da Faculdade de Psicologia da Universidade de Barcelona, publicou um artigo na revista Frontiers in Virtual Reality, que reflete sobre possíveis problemas éticos derivados da difusão em massa da realidade virtual. Os investigadores alertam para os problemas que podem surgir se as tecnologias se tornarem mais realistas e defendem a realização de novas pesquisas para estudar esses novos cenários.

Também participam neste estudo grandes empresas e instituições, como a BBC R&D, Digital Catapult, Dimension-Hammerhead VR, Facebook, NESTA, Jigsaw — empresa que forma parte de Google—, Magic Leap, Microsoft Research, e o University College de Londres.

A realidade virtual, na versão que conhecemos atualmente – um sistema composto por um dispositivo de visualização em forma de óculos ou capacete, tecnologia para rastrear o movimento da cabeça e imagens gráficas criadas por computador – começou há mais de quarenta anos. Apesar dos altos e baixos no desenvolvimento da tecnologia, nos últimos 25 anos foram realizados muitos estudos em campos heterogéneos: medicina, psicoterapia, indústria de videojogos, desporto e viagens.

No entanto, os possíveis efeitos negativos dessa tecnologia não foram estudados, especialmente no momento em que o grau de realismo da realidade virtual e também da realidade aumentada – quando elementos virtuais são adicionados ao ambiente real por meio de um dispositivo como um telemóvel – é cada vez maior. No limite, será difícil distinguir essas experiências do mundo real. “Por exemplo, um jogo de computador pode ser violento, mas essa violência é mostrada num monitor que envolve personagens pequenas. Em vez disso, na realidade virtual, você faz parte do elenco: tudo acontece perto de si, as personagens são em tamanho real e podem olhar diretamente para si. Esta é uma experiência qualitativamente diferente de jogos ou filmes de computador “, explica Mel Slater, também membro do Instituto de Neurociência da Universidade de Barcelona (UBNeuro).

“A realidade virtual tem sido usada por boas causas, principalmente em psicoterapia”, continua Slater, “mas, como qualquer tecnologia, também pode ser mal utilizada. Para evitar esse uso indevido, precisamos de mais conhecimento científico e mais pesquisas sobre os seus efeitos “.

Os limites entre realidade e experiências virtuais

Para refletir sobre os perigos potenciais da realidade virtual, o grupo de investigadores pensou nos piores cenários possíveis e que pesquisas deveriam ser feitas para estudá-los. Concentraram-se principalmente nos problemas que podem surgir se a realidade virtual e aumentada se tornar mais realista, tornando cada vez mais difícil distinguir entre o mundo real e o virtual. Por exemplo, recordar os eventos virtuais como se fossem reais e, com o tempo, não conseguir dizer se essas situações realmente aconteceram ou fizeram parte da realidade virtual.

Os especialistas também destacaram outro possível problema com as experiências ultrarrealistas: não sabemos quais são as repercussões mentais do uso da realidade virtual e aumentada (por exemplo, em jogos violentos) nem da transposição da realidade virtual para o mundo real.

“Após uma experiência intensa e emocional com a realidade virtual, você tira os auscultadores do ouvido, o capacete etc., e encontra-se num mundo real muito diferente. Não somos bons em adaptar o comportamento e regular as emoções rapidamente “, explica Slater. Voltar ao mundo real, especialmente após uma experiência de realidade virtual, pode trazer vários tipos de problemas: cognitivos (aconteceu na realidade virtual ou no mundo real?), emocionais (a causa das emoções não é real, por exemplo, o seu avatar é insultado por uma personagem fictícia virtual) e comportamentais (algumas ações aceites na realidade virtual não o são no mundo real).

O estudo também menciona o problema do isolamento social. “As pessoas podem usar a realidade virtual até um ponto extremo e perder o contacto pessoal com outras pessoas, isolar-se da sociedade”, diz Mel Slater.

Os especialistas alertam ainda para outras questões, como a privacidade dos dados, o perigo das fake news e o roubo de identidade. “É possível mostrar pessoas – por exemplo, políticos – a fazerem coisas na realidade virtual que realmente não fizeram. Embora o mesmo aconteça com o vídeo, a realidade virtual tem mais poder porque é mostrada em tamanho real, no mesmo espaço em que o usuário está. Acontece à sua frente e não através de um monitor”, acrescenta Slater.

Um regime regulador semelhante ao do cinema

Perante estes desafios éticos, os investigadores destacam que não existem dados científicos que permitam abordar os problemas. Portanto, no artigo publicado na revista Frontiers in Virtual Reality também enumeram as questões científicas que precisam ser investigadas. Por exemplo, os efeitos a longo prazo do uso da realidade virtual e aumentada, se essas experiências podem ser usadas para manipular a memória ou se as pessoas vão conseguir distinguir a vida real de situações virtuais.

“É muito importante que os criadores de aplicativos de realidade virtual e de realidade aumentada saibam que existem perigos, mas esse alerta deve ser baseado em estudos científicos e não em opiniões. Por esse motivo, existe financiamento para pesquisas que explorem esses e outros problemas. O mais importante é que os resultados possam formar uma base para o estabelecimento de um regime de regulação como o do cinema, com classificações de conteúdo, idade e outras condições”, explica o investigador.

Depois desta investigação, o grupo de trabalho continuará a organizar reuniões regulares. “Planeamos realizar um workshop para a indústria apresentar essas questões num fórum público e também criaremos um grupo mais permanente para informar e aconselhar a indústria, governos e órgãos internacionais”, conclui Mel Slater.

Frontiers in Virtual Reality/AO

2 Comments

  1. Gabriela

    Gostaria de saber como se sai de uma
    Realidade virtual imersiva.gostaria de saber também como tirar os dispositivos que podem ter posto na pessoa para estar numa realidade virtual sem querer .e como pode essa pessoa se libertar de um tão grande sofrimento caso seja vítima deste crime.em que entidade da justiça verdadeira decente pode a vítima contactar ou ser contactada para que seja parado este crime ?

  2. Antero Andrade

    Uma criança de 6 anos com problemas de concentração pode brincar com óculos de realidade virtual?

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