Os últimos resultados do questionário de Saúde Ocupacional do Barómetro Covid-19 mostram que mais de 70% dos profissionais de saúde apresentam níveis médios a elevados de exaustão emocional e burnout durante a pandemia. Com 36% dos inquiridos a reportar a inexistência de
Serviço de Saúde Ocupacional no seu local de trabalho, investigadores consideram que é urgente uma “reflexão profunda” sobre a forma como se está a proteger e a promover a saúde dos profissionais que protegem a saúde de todos.
Com o objetivo de conhecer melhor a atual realidade e avaliar o impacto da pandemia na saúde dos profissionais de saúde, o 3º e último questionário dirigido a profissionais de saúde recolheu, entre os dias 30 de abril e 8 de maio, 532 respostas, totalizando um universo total de 5.365 profissionais de saúde participantes.
Os resultados dos questionários anteriores mostraram como o contacto dos profissionais de saúde com doentes (ou casos suspeitos) de covid-19 pode ter repercussões a nível psicológico, tendo-se constatado que quase três quartos dos respondentes apresentam níveis de ansiedade elevados ou muito elevados como resposta às situações de stress que vivenciam e que quase 15% (14,6%) tinham mesmo níveis de depressão moderados ou elevados.
A terceira fase do estudo mostra agora que quase três em cada quatro (72,2%) apresenta níveis médios ou elevados de exaustão emocional e valores semelhantes de burnout, revelando um agravamento dos já elevados níveis reportados nestes grupos profissionais.
Ainda na área psicossocial, constata-se que quase metade dos profissionais de saúde (42,6%) refere que dorme menos de seis horas diárias, valores semelhantes aos obtidos no 2º questionário o que, associado à sensação de fadiga que é reportada, no último questionário, como intensa ou muito intensa por quase três em cada cinco profissionais de saúde (58%), testemunha uma situação próxima da exaustão ou “esgotamento”.
Em relação aos aspetos de risco microbiológico, de forma mantida durante os três questionários, um terço (33,3%) dos 5.365 profissionais de saúde não realiza a automonitorizaçao diária, que deveria ser a regra na perspetiva, quer da proteção da saúde do profissional de saúde, quer da redução da probabilidade do risco de contágio.
Adicionalmente, cerca de 13% dos profissionais de saúde inquiridos foi caso suspeito e, nos três questionários, 80 dos 523 trabalhadores testados (15,3%) tiveram um teste positivo, testes esses realizados mais de 3 dias após a suspeita em quase um terço dos casos (30,1%).
Para António Sousa Uva, coordenador científico do estudo, estes são “resultados reveladores da morbilidade aumentada nestes grupos profissionais em relação à população geral, mesmo com o recurso a Equipamentos de Proteção Individual (EPI) e, igualmente, a insuficiente rapidez no esclarecimento das situações suspeitas”.
A disponibilidade de Equipamentos de Proteção Individual, na última semana, em relação às semanas anteriores, é considerada por mais de metade dos profissionais de saúde melhor ou mesmo muito melhor (53,8%) o que consolida a melhoria da situação ao longo do desenvolvimento da onda pandémica. Na opinião da grande maioria dos respondentes (77,8%) os EPI são adequados ou muito adequados.
No que se refere aos efeitos da carga de trabalho sentida pelos profissionais de saúde destacase que 30,6% considera o seu nível de fadiga semelhante ao da semana anterior, enquanto 45,3% apresentaram maiores níveis de fadiga e 12,7% fadiga extrema. De realçar ainda que
praticamente metade dos profissionais de saúde não praticou exercício físico na última semana (48,8%) e de apenas 16,5% referirem fazer exercício todos (ou quase todos) os dias.
“Tal pode, eventualmente, ser mais um cofator de queixas de dores musculoesqueléticas, ou desconforto, a nível da coluna vertebral (raquialgias), que não tinham anteriormente e que podem estar relacionadas, para além das exigências do trabalho e das elevadas jornadas de trabalho com, por exemplo, a reconhecida sobrecarga de trabalho causada pelos EPI que usam, como acontece noutros grupos profissionais do setor secundário de atividade, a que nunca se deu suficiente importância”, explica o coordenador.
Dos profissionais de saúde (PS) que participaram nos três questionários, mais de um terço (36,7%) trabalha em área dedicada aos doentes COVID-19, representando quase 2.000 PS (n=1.937) e mais de metade (51,9%) trabalhou na ultima semana oito ou mais horas diárias (18,2% dos quais mais de 12 horas diárias).
Um outro aspeto fundamental na prevenção dos riscos profissionais é a organização de serviços competentes nessa matéria, “habitualmente pouco valorizados pelas organizações e reduzidos a uma expressão apenas de “cumprimento administrativo” por imposição legal”, avança António Sousa Uva. Mais de um terço (36%) dos profissionais de saúde considera que onde trabalha não existe Serviço de Saúde Ocupacional (ou de Saúde e Segurança do Trabalho) que realize a gestão dos riscos profissionais, designadamente do risco de infeção por COVID-19. Para o investigador, “tal devia constituir motivo de reflexão profunda não numa perspetiva dominante de cumprimento das disposições normativas, mas na componente substantiva que o “dramatismo” da atual pandemia revelou”, alerta.
Para António Sousa Uva, “se é bem verdade que não é possível um bom combate à covid-19 sem bons (e saudáveis e seguros) combatentes, tal também não será possível sem técnicos de Saúde Ocupacional competentes exercendo a sua atividade em serviços igualmente capazes e valorizados pelas organizações – hospitais e centos de saúde – onde desenvolvem a sua atividade”.
A proteção e a promoção da saúde de quem trabalha, assim como a manutenção da sua capacidade de trabalho, faz parte das boas práticas profissionais de qualquer trabalhador, e também dos profissionais de saúde e “não é, nem deve ser um “adereço” de mero (se não mesmo “aparente”) cumprimento de disposições normativas com mais ou menos força legal.
Trabalhar em boas condições de trabalho de saúde e segurança permite mesmo aumentar a produtividade e diminuir o absentismo”, conclui.
CI/HN
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