Quase um em cada 10 afro-americanos tem uma variante genética que implica um risco acrescido de arritmias ventriculares e morte súbita cardíaca.
Na revista “Heart Rhythm”, a publicação oficial da “Heart Rhythm Society” e da “Cardiac Electrophysiology Society”, os investigadores assinalam que, juntamente com fatores socioeconómicos e culturais, este fator de risco genético pode contribuir para as disparidades raciais em saúde que foram documentadas nas vítimas da pandemia de Covid-19.
Observam também que os efeitos indesejados de terapias como a hidroxicloroquina, podem colocar os afro-americanos com esta variante genética em risco acrescido de arritmia ventricular induzida por medicamentos. Por conseguinte, apelam a uma especial prudência.
“Sem uma explicação definitiva para o aumento da taxa de mortalidade relacionada com a Covid-19 observada nos indivíduos de origem africana, precisamos de considerar todos as potenciais explicações, incluindo a possibilidade de predisposição genética”, referiu o principal autor do estudo, John R. Giudicessi, do Departamento de Medicina Cardiovascular da Clínica Mayo, em Rochester, nos Estados Unidos.
“A variante genética p.Ser1103Tyr-SCN5A, específica dos afro-americanos, é um bom ponto de partida para a investigação, pois o seu potencial pró-arrítmico é potenciado por fatores de risco observados em pacientes internados com Covid-19. Nomeadamente, hipoxemia, disfunções eletrolíticas e o uso de medicamentos que prolongam o intervalo QT”.
Os investigadores salientam que o potencial pró-arrítmico associado ao p.Ser1103Tyr-SCN5A pode ser aumentado com fármacos suscetíveis de provocar ritmos cardíacos irregulares, incluindo alguns medicamentos antiarrítmicos mas também, o que é importante, alguns antibióticos e medicamentos antifúngicos.
A lesão miocárdica direta e/ou indireta ou o stress, surgiram como uma característica proeminente e prognóstica na Covid-19. A lesão miocárdica aguda em doentes com Covid-19 pode ser provocada por uma infeção miocárdica direta do SARS-CoV-2; resposta imunitária exagerada conhecida como “tempestade de citocinas”; ou hipoxia, níveis perigosamente baixos de oxigénio e níveis elevados de dióxido de carbono no sangue.
Os bebés afro-americanos com a variante p.Ser1103Tyr-SCN5A estão sobre-representados na síndrome da morte súbita infantil, e os mecanismos subjacentes à hipoxia podem ser os responsáveis. A profunda hipoxia observada em muitos pacientes com Covid-19 suscita a preocupação de o p.Ser1103Tyr-SCN5A poder produzir uma semelhante suscetibilidade afro-americana à arritmia ventricular e à morte súbita cardíaca devido à infeção pelo SARS-CoV-2.
No seu conjunto, os dados sugerem que um em cada 13 afro-americanos pode estar a correr um risco substancialmente maior de arritmia ventricular potencialmente letal durante a pandemia de Covid-19.
“A variante genética p.Ser1103Tyr-SCN5A, é um marcador de morte súbita cardíaca potencialmente pró-arrítmica para os afro-americanos, pelo que devemos respeitá-la”, afirmou o cardiologista genético Michael J. Ackerman, do Departamento de Medicina Cardiovascular e do “Windland Smith Rice Cardiovascular Genomics Laboratory” da Clínica Mayo.
Como estudos recentes demonstraram que a hidroxicloroquina não é eficaz no tratamento de doentes hospitalizados com Covid-19, os autores advogam contra a sua utilização nesse contexto. No entanto, se for necessária a administração de agentes QTc (medicamentos com potencial para aumentarem o intervalo QT), os investigadores recomendam uma monitorização cardíaca cuidadosa.
Os autores apelam à investigação da ligação entre o p.Ser1103Tyr-SCN5A e as taxas de morte súbita e mortalidade relacionada com a Covid-19, sugerindo a utilização de biobancos de ADN, como o “Jackson Heart Study”, uma investigação de grande envergadura sobre as causas das doenças cardiovasculares nos afro-americanos. Recomendam ainda estudos de medicamentos que possam proteger melhor os indivíduos em risco, especialmente os afro-americanos, no contexto da atual pandemia de Covid-19.
Informação bibliográfica:
“Genetic susceptibility for COVID-19–associated sudden cardiac death in African Americans,” by John R. Giudicessi, MD, PhD, Dan M. Roden, MD, Arthur A.M. Wilde, MD, PhD, and Michael J. Ackerman, MD, PhD (https://doi.org/10.1016/j.hrthm.2020.04.045). It appears in Heart Rhythm, published by Elsevier. The article is openly available at www.heartrhythmjournal.com/article/S1547-5271(20)30419-7/fulltext.
0 Comments